domingo, maio 17, 2009

A experiência de ler - An experiment in criticism


Lembro-me bem de minha chegada à Faculdade de Letras. Conforme o programa, a primeira aula seria de Teoria da Literatura I. Eu particularmente nutria grandes expectativas em torno dessa matéria: a discussão da arte em um grande âmbito; o alargamento dos horizontes em relação àquela literatura que se aprende na escola, tão antiga, fechada sempre nos mesmos nomes de autores, as mesmíssimas obras, que, aparentemente, já há uma ou duas gerações são apresentadas da mesma forma! O quanto ainda devemos nos chocar e louvar a Semana de 1922 – em um primeiro momento tão difícil de compreender – e odiar os alienados parnasianos e seus malditos vasos gregos e camartelos?

Surpreendeu-me e assustou-me a pergunta então colocada: O que é literatura? Poderia, em um primeiro momento, deduzir que a definição de literatura fosse um pressuposto básico para a construção de qualquer ciência em torno dela, mas, naquele tempo, não passavam pela minha cabeça nem o conceito nem a palavra epistemologia e o efeito dessa pergunta foi de imediato aprisionamento. O ambiente arejado e os amplos horizontes que almejava alcançar foram trancafiados por uma ladainha (entendam a palavra como quiser, inclusive no sentido litúrgico), que, obviamente, excluía boa parte daquilo que havia me levado aos livros.

A definição do termo “literatura” foi então ganhando bastante complexidade, mas não limites. Cada vez mais, por maior o esforço que fosse empregado, os limites do que se chama literatura se desfaziam, enganavam, escorregavam. A literatura tornava-se, aos poucos, uma entidade sagrada, algo tão difícil de definir quanto Deus – exceto pelo fato de que uma é passível de ser criada, enquanto o outro é o grande criador.

Mas, pergunto-me agora se não teria sido deveras mais proveitoso e honesto tentar definir o que é o crítico literário ou o trabalho da crítica em vez de se perder em questões que conduzem mais ao esoterismo que à ciência “verdadeira” - algo que se espera de uma universidade. Ah, mas sem a incerteza, talvez, as ciências humanas seriam odiosamente feias, ou menos poéticas...

Entendam, com essas observações não pretendo criar qualquer tipo de aversão ao que é costumeiramente chamado e defendido como “a grande literatura” ou simplesmente “o cânone”. Só queria expressar o meu sentimento, que não foi o de grande e imediato interesse de chegar e mergulhar nesse universo sagrado da alta literatura. Não me sentia a vontade movendo-me entre os literatos, sentia-me mais como uma pessoa humilde que é levada a um palácio e encolhe os braços, desajeitada, para não tocar em nada que lhe pareça valioso demais. Por outro lado, não estava muito disposto a aceitar essas verdades – ou dogmas – já pré-fabricadas e a considerar como a escória da humanidade aqueles que não tem acesso, ou simplesmente não se interessam, por ela, a literatura.

Um ano e meio ou dois anos depois, uma boa alma me indicou a leitura desse livro: A experiência de ler do C. S. Lewis, cujo título original, bem mais interessante, é An experiment in criticism. O texto começa analisando não o que é literatura, mas os modos como de se ler. Separa, então, aqueles que possuem uma sensibilidade especial para a literatura daqueles que não a têm, sem os hierarquizar, ressaltando, inclusive, que existem pessoas inteligentes, honestas e úteis à sociedade em geral, mas que não possuem essa sensibilidade literária. Para estes, a leitura não seria uma atividade importante em suas vidas, sendo mero passatempo ou algo para ser feito nas horas vagas. Seu interesse seria mais ligado à história contada, dando pouca atenção às palavras e ao modo como se conta. Já o outro grupo, mais sensível, consideraria a leitura algo importante em suas vidas, tendo o prazer de falar sobre ela, incluindo-a como parte de sua vida, não mero divertimento.

Contudo, mesmo esses leitores, supostamente mais sensíveis, poderiam cometer “erros” de leitura, pois a boa leitura deve ser aquela na qual o leitor procura, em um primeiro momento, esvaziar-se de suas preocupações e preconceitos e se deixa guiar pela obra. Lê de um modo positivamente “desinteressado”, receptivamente. Pois mesmo aqueles que se dizem literatos e portadores de uma grande sensibilidade, muitas vezes não leem assim. Fazem antes um uso da literatura.

Esse uso, poder-se-ia dizer (com todo o pedantismo que as mesóclises permitem), é algo como um tabu no meio universitário. Pois uma boa parte de seus alunos e professores fazem um uso da literatura. Mas como usar a literatura, algo tão complexo e tão belo exatamente por sua inutilidade? Como usar um poema? Como usar uma obra de arte? Imaginem só, como usar a “Roda de Bicicleta” do Duchamp?

Bom, no caso da literatura, pode-se fazer muitos usos. Pode-se procurar uma filosofia de vida, algo edificante, instrutivo; utilizá-la para aprender mais sobre o humano ou sobre diferentes épocas históricas; ou ainda, degluti-la de modo que, vez ou outra, a citação de um verso, a menção a uma narrativa, ou algo de um gênero, confira a pessoa um especial lustre que erga seu status social e faça com que ela seja considerada inteligente, culta, ou mesmo sábia.

O autor dá ainda umas palavras sobre a crítica literária e sua função, algo que vai se assemelhar bastante ao prefácio da Anatomia da Crítica do Northrop Frye, mas, como já me alonguei muito nesse post, deixo o assunto para outra ocasião.

De qualquer forma, recomendo A experiência de ler para aqueles que pretender ingressar nesse mundo acadêmico das letras, ou mesmo os que já estão nele, e a qualquer um para quem a leitura seja algo significativo, especial. É sempre bom refletir sobre a maneira como fazemos aquilo que amamos! Boa leitura!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ler!!!
Quanto aproveitaríamos melhor o nosso tempo se fizéssemos uma boa leitura! Quanto à boa leitura, cada um tem seu gosto, seu gênero literário. Eu às vezes ofereço um dos meus livros prá vc, né André, e vc me diz: "Eu só leio depois que vc ler O HOBBITT, ou O SENHOR DOS ANÉIS!" Enfim, acabamos por não ler o livro um do outro! Mas o importante é que leiamos, seja qual for o nosso gosto, pois a leitura, seja ela qual for, sempre terá algo a nos acrescentar!!!
Criar bons hábitos!!! A leitura é um deles!!!
Mamis!!!