domingo, fevereiro 27, 2011

A fulana e o Led Zeppelin


- Não sei por que raios, essa mulher agora resolveu de comprar uma escada para o céu! Logo ela que antes se gabava de sua racionalidade e, portanto, descrença no divino; buscava por todos os meios uma forma de alcançar o paraíso! Decerto estava era com vontade de ralhar com Deus, por qualquer perfeição excessiva ou imperfeição que tivesse encontrado no Criador ou em sua obra. Então diria: "Ora, Criador, você é muito certinho! Tem mais é que curtir a vida! Afinal, não foi pra isso que você inventou o pecado?" Teria calafrios com essa blasfêmia se lá fosse muito apegado ao cristianismo. Mas, de fato, duvido que ela faria perguntas de caráter mais filosófico ou racional, como muitas vezes gostava de fazer por aí. Não que fosse exibicionista do tipo arrogante que gosta de crescer para cima dos outros. Apenas gostava de manter a conversa em um nível elevado, que frequentemente, porém, tornava-se apenas cansativo, sem objetivo e constrangedor. Ah, mas essa escada! Nem parecia algo razoável e que pudesse existir de verdade. Ela procurou por todos os lugares, sempre perguntando mais e mais, a despeito do que pudessem dizer as placas penduradas nas paredes. Palavras que podem enganar. Quem dera fosse tão poderosa quanto acreditava ser e com uma única palavra conseguisse o que quisesse. Mas não era assim...

Todavia, um dia ela conseguiu encontrar e comprar a tal escada. Depois passou dias se preparando para subir, afinal de contas a escada a levaria a algum lugar especial, supostamente. Estava toda preparada e até tinha colocado as suas jóias, que não eram de ouro de verdade, mas isso não importava. Elas brilhavam! Ela me olhou nos olhos e estávamos sem palavras.Seria aquilo uma despedida? Eu sabia que haviam dois caminhos e que se algo desse errado poderíamos escolher outro durante o percurso. Ela, contudo, não devia pensar assim. Sem dizer nada, olhou para cima e começou a subir.

Um apito soou. Lá no fim da rua virava um flautista, um cara de uma outra banda. Seria ele que nos levaria para a razão? Talvez. O fato de não haver um bando de ratos o seguindo me pareceu promissor e a música que saía de sua flauta prateada era, de fato, encantadora. "Você pode ouvir a música?" - perguntei sem esperar resposta. E ela parou. Sim, ela podia ouvir; mas a escada era tão brilhante e uma luz vinha de lá de cima. Não subiu mais nem um degrau. Também não desceu. Ficou parada e eu esperei por um tempo. O flautista já começava a se afastar e, no meio de tudo aquilo, segui-lo era a única coisa que fazia sentido. E foi o que fiz.

Agora não sei mais se ela realmente chegou a ouvir a música...

NOTA: Texto inspirado pela letra da música.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

História, histórias

Quedlinburg
Andando por essas ruas mais velhas que meu país, tão carregadas de história e de histórias, é cada vez mais difícil não se sentir um tanto esmagado pelo tempo. Cada centímetro desse lugar tem pelo menos umas quinze histórias para contar: de desespero, tristeza, revolta, dor, ódio e até de esperança! Tudo isso, de uma forma ou de outra parece cair sobre os ombros do povo, que, inconscientemente, não anda; apenas marcha. Firmes e decididos como soldados, aparentemente, oferecendo o seu melhor, sem preguiça e sem descanso... sem preguiça e sem descanso.

Os sorrisos existem. Raros, nublados, às vezes indecifráveis. Mas existem. Até para nós, os estranhos.

Estranhos a esse mundo estrangeiro, que nos recebe e nos intimida. Onde escreveremos algumas anedotas particulares, bem menores que um ponto no longo texto dessa história, que se entrelaça até nas asas dos corvos, sempre vigilantes, atentos a nossa queda, enquanto só podemos vê-los voar.

E de pensar que meus heróis andaram por essas ruas, tocaram essas paredes, preencheram esses espaços, agora vazios. E pensar que meus heróis... eram apenas humanos, que sentiam fome, sede, reclamavam da vida e, ainda assim, enchiam o mundo com as coisas mais belas de que já se ouviu falar! E eles eram apenas humanos!

Mas a história que se respira aqui não é a desse tempo. É bem mais nova, aliás. Mas é uma história de que as pessoas se lembram. Um mundo do qual nós só ouvimos falar, carregado de medos e vontades, mais desejos que necessidades; desconfiança; segredos. O pensamento escondido, dizível, mas não dito.

E qual é a minha história diante disso tudo. Minha história insignificante de desencontros e saudades. Lugares que lembram pessoas, que pertenceriam mais àqueles lugares do que eu. E ser soterrado pela própria memória, dos sorrisos e dos beijos não dados, da despedida que nunca existiu, da ânsia por um reencontro, de toda a mágoa contida e que nunca terá vazão. O grito de ódio, transformado em um brilho triste do olhar, a lágrima que não sai, não lava o rosto nem a alma. E todos os sorrisos, irrefletidos e insinceros. Alegria insistente e desonesta, apenas necessária para uma mísera sobrevivência.

E todo esse ruído? O falar demais com pouco a dizer. A força incessante que me tira dentro de mim. O paradoxo do medo e da necessidade de se estar sozinho. Nunca conseguir estar com quem se quer estar.

Silêncio, porém, insuportável.

A história dos outros e a minha história são ambas incompletas.