quinta-feira, novembro 03, 2011

Das Strichmännchen - O homenzinho de palitos

Es war einmal ein in einem Schulheft gezeichnetes Strichmännchen. Es wurde von einem 8-jährigen Junge geschaffen und lebte durch sein ganzes Leben, das schon genau drei Tage dauerte, ganz lustig und froh in seiner gemütlichen Ecke. Eines Tages ließ der Junge das offene Heft neben dem Computer, und das Strichmännchen konnte das blaue und kalte Licht des Bildschirm ansehen, und das interressierte es viel. Es gab viele Farben und tanzende Figuren und sogar... sogar andere Strichmännchen (und Strichfrauchen), die sprangen, liefen, schwammen... Sie trafen sich miteinander, sprachen miteinander und niemand war allein wie es im Heft des Junges.


Aber das Männchen war allein. Nur die Nummern und die Zeichen des Matheunterrichtes begleitete es, das die Ecke nicht mehr schön fand. Er wollte von der Seite des Heftes springen, den Bildschirm klettern und zusammen mit der anderen Strichmännchen und Strichfrauchen gehen. Es schuf das aber nicht, dann wurde es untröstlich traurig. Wenn es Augen hätte, konnte es weinen...


Plötzlich: Dunkelheit. Das Heft wurde geschlossen. Einsamkeit.


Das Licht kamm noch einmal und es war schon ein anderer Tag, ein anderer langweiliger Matheunterricht. Ehrlich zu sagen war der Junge nicht so begeistert mit Zählen. Deswegen fang er damit an, noch einmal etwas in der Ecke der Seite zu zeichnen. Und, ach, wie wunderbar war noch einmal das Leben! Kurz nach dem Licht kam der Bleistift, um ein schönes Strichfrauchen zu machen. Aber das war nicht alles: zusammen mit ihr kamm... Ein Kuss!


Der kleine Junge war in ein rothaariges Mädchen verliebt und das früher einsame Strichmännchen hatte jetzt eine Freundin!


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Era uma vez um homenzinho de palitos desenhado em um caderno escolar. Ele tinha sido feito por um garoto de oito anos e viveu por sua vida toda, que já durava três dias, feliz e contente em seu confortável cantinho. Um dia, o garoto deixou o caderno aberto ao lado do computador e o homenzinho de palitos pôde fitar a luz azul e fria da tela, e ela o interessou muito. Tinha muitas cores e figuras dançantes e até mesmo... até mesmo outros homenzinhos de palitos (e mulherzinhas de palitos), que pulavam, corriam, nadavam... Eles se encontravam uns com os outros, falavam uns com os outros e ninguém estava sozinho como ele no caderno do menino.

Mas o homenzinho estava só. Apenas os algarismos e sinais da aula de matemática o acompanhavam, e ele não achava mais seu cantinho bonito. Ele queria saltar das páginas do caderno, escalar a tela e ir para junto dos outros homenzinhos e mulherzinhas de palitos. Mas ele não conseguia, então ficou inconsolavelmente triste. Se ele tivesse olhos, poderia chorar...

De repente: escuridão. O caderno tinha sido fechado. Solidão.

A luz veio mais uma vez e era já um outro dia, uma outra aula chata de matemática. Para ser honesto, o garoto não era muito entusiasmado com números. Por causa disso, começou a desenhar mais uma vez no cantinho da página. E, ah, como a vida era mais uma vez maravilhosa! Pouco depois da luz veio o lápis para fazer uma bela mulherzinha de palitos. Mas isso não era tudo: junto com ela veio... um beijo!

O menininho estava apaixonado por uma garotinha ruiva e o antes solitário homenzinho de palitos tinha agora uma namorada!

(originalmente escrito em alemão por mim mesmo)

quarta-feira, outubro 12, 2011

A luz entra pelas frestas da janela dourada do meu quarto tingindo tudo de sépia e passado.

terça-feira, setembro 20, 2011

The red haired witch - A bruxa ruiva

Nunca fui de escrever textos longos em outras línguas. Mas ontem tentei fazer isso por causa de uma cantora lituana chamada Alina Orlova. A senhorita G. me falou dela em meados de outubro do ano passado, ou seja, há quase um ano e eu tenho ouvido suas músicas todos os dias sem enjoar. Fazia tempo que isso não acontecia. Sábado, voltando de São Paulo e ouvindo-a cantar no meu celular, imaginei escrever uma espécie de livrinho infantil sobre uma bruxa ruiva cantora. Tinha visto uma exposição do Saul Steinberg e estava cheio de ideias na cabeça. A ideia virou isso aí, escrevi em inglês na esperança de ela poder lê-lo um dia... Perdoem-me, mas nunca estudei inglês formalmente, então deve haver alguns errinhos aqui e ali... mas não me envergonho deles.



The red haired witch 
a tale to Alina Orlova, who have enchanted me without know it. 

Hey, maybe you should not trust me. At least not completely, because I am a thief. A liar and a thief. But I could also be a storyteller, and that is what I want to do here. Only tell you a story. Although I am a real lier, it is all true. 

There was once a red haired witch. But she was not the kind of scaring witch, that makes potions or eats children. At least I believe not. She could do her own enchantments without salamander’s eyes or spider’s legs. I could imagine that she looks like a very normal person - and is also beautiful -, except of her talents, which she sometimes used to show to other people or kept, maybe the most powerful ones, all in secret. I could also imagine that she goes every day, just like a normal person, to buy some food for her own. I am completely sure, that she not even had a cauldron. What she used to make her witchcraft was only a piano and her voice. Because she had a very beautiful voice... More than beautiful, I should have said... 

Once I found some of her books - but I didn’t know what kind of book they were -, and I stole these books. I simply stole and brought them to home. However, at midnight, one of them began to sing - obviously, books of witches are also enchanted books - and I tried to listen to very attentively. I must confess, I could not understand every word spoken, but it looked like some mermaid’s song, that made me stay entirely still, quiet, almost without breath.That should be the price for stealing some kind of books and, at the next night, the other book sang, and I listen to more attentively than the last night. 

Also I wished to learn more about the books. One was named Laukinis Šuo Dingo and I tried to translate these words. Until now I am not so sure, if it is about some wild dog. Well, a wild dog for a thief is something that could bring all the kinds of adventures for a old storyteller, that is not precisely what I am. On the other I could read Mutabor, which means... I don’t know, maybe something related to changes... or not... 

After all these things, the only thing I know is that I must be more careful when I steal books. These have enchanted me and I hear them night after night, day after day, all the time with the same feeling. Without understand a single word, yet touched almost to tears... 

I’m so sorry for steal your books, this story is some kind of payment for making my days a little better, a little more beautiful... I hope this story could make you, at least for a moment, a little happier. Maybe smile. 

Thanks for don’t hide your talent.

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A bruxa ruiva
um conto para Alina Orlova, que me encantou sem o saber.

Ei! Talvez você não deva confiar em mim. Pelo menos não completamente, porque eu sou um ladrão! Um mentiroso e um ladrão. Mas eu também posso ser um contador de histórias e é isso o que eu quero fazer aqui. Somente lhe contar uma história. Embora, eu seja realmente um mentiroso, isso é tudo verdade.

Era uma vez uma bruxa ruiva. Mas ela não era daquele tipo de bruxa assustadora, que faz poções ou come crianças. Pelo menos, eu acho que não. Ela podia fazer seus próprios encantamentos sem olhos de salamandras ou pernas de aranha. Eu poderia imaginar que ela se pareceria como uma pessoa bem normal - e também bonita -, exceto por seus talentos, que ela, às vezes, costumava mostrar para outras pessoas ou mantinha, talvez os mais poderosos, todos em segredo. Eu poderia também imaginar que ela vai todos os dias, bem como uma pessoa normal, comprar alguma comida para ela mesma. Eu estou completamente certo, que ela nem mesmo tem um caldeirão. O que ela usava para fazer suas bruxarias era somente um piano e sua voz. Porque ela tinha uma voz muito bonita... Mais que bonita, eu deveria ter dito...

Uma vez eu achei alguns de seus livros - mas eu não sabia que tipo de livros eles eram -, e roubei esses livros. Eu simplesmente roubei e os trouxe para casa. Entretanto, à meia noite, um deles começou a cantar - obviamente, livros de bruxas são também livros encantados - e eu tentei ouvir tudo atentamente. Eu devo confessar que não podia entender todas as palavras ditas, mas parecia uma canção de sereia, que me fez ficar completamente parado, quieto, quase sem respirar. Esse deve ser o preço por roubar esse tipo de livro e, na noite seguinte, o outro livro cantou, e eu ouvi mais atentamente que na noite anterior.

Então eu quis saber mais sobre os livros. Um chamava Laukinis Šuo Dingo e eu tentei traduzir essas palavras. Até agora eu não estou certo, se esse livro é sobre algum cachorro selvagem. Bem, um cachorro selvagem para um ladrão é algo que pode levar a todo tipo de aventuras para um velho contador de histórias, que não é precisamente o que eu sou. No outro, eu podia ler Mutabor, que significa... Eu não sei, talvez algo a ver com mudanças... ou não... 

Após todas essas coisas, a única coisa que eu sei é que eu devo ser mais cuidadoso quando eu roubo livros. Esses me encantaram e eu os ouço noite após noite, dia após dia, todo o tempo com o mesmo sentimento. Sem entender uma única palavra, porém tocado quase até às lágrimas... 

Sinto muito por roubar seus livros, essa história é algum tipo de pagamento por fazer meus dias um pouco melhores, um pouco mais belos... Eu espero que essa história possa fazê-la, pelo menos por um momento, um pouco mais feliz. Talvez sorrir. 

Obrigado por não esconder seu talento.

domingo, setembro 18, 2011

Dom Casmurro

Isso é apenas um relato pessoal da minha leitura de Dom Casmurro. Vestibulandos, corram daqui, ou leiam até o fim, porque ler não dói.

Quem me conhece pessoalmente e já trocou ideias sobre literatura comigo, sabe que o grande Machado de Assis nunca foi meu ídolo. Pelo contrário, vejo sua obra como supervalorizada ao extremo, um extremismo escolar que em vez de levar o leitor à reflexão atua de modo mais emburrecedor do crítico, propriamente dito, e é sempre necessário pensar e repensar nossa tradição.

Dom Casmurro é tido talvez por grande parte dos leitores como obra máxima de Machado de Assis, quando não da literatura brasileira. A história de amor que se desenrola desde a infância até a idade adulta com uma concretização (leia-se casamento) sem maiores percalços é marcada pela "grande" dúvida: se Capitu traiu ou não traiu Bentinho.

Creio que minha tendência a apreciar mais o que tende ao épico do que a introspecção tenha coberto as páginas de Dom Casmurro com algum tipo de véu, que possa ter-me impedido de ver a beleza de todo o conjunto. É claro que é uma obra bem escrita, com frases que poderiam ser retiradas com certa violência do contexto do livro para se tornarem aforismos ou coisa parecida (algo que infelizmente acontece).

Mas não sei... creio não ser tão burro para não ter entendido a obra, mas, pelo menos para mim, Machado é melhor contista do que romancista. Seus textos longos frequentemente tornam-se apenas enfadonhos. Não li toda sua obra, nem sou especialista no autor, mas foi a exata impressão que tive ao ler Quincas Borba. Salvo alguns lances de pura genialidade em sua - sei lá porque chamam assim - trilogia realista, que inclui Memórias Póstumas, ele não se dá bem com textos mais longos. Daí talvez os capítulos curtos, sem lá muito fôlego para mais.

O que porém a "crítica escolar" valoriza no autor, além de seu estilo elegante e impecável, é o modo como ele traça o perfil das personagens, com suas sutilezas e profundidade psicológica. Tendo isso em vista, é uma grande falha dessa crítica não notar que a obra em questão é apenas uma análise de personalidade, não a história de uma relação entre um menino e uma menina que crescem e acabam se casando. Para mim parece tão óbvio que o livro não é nada além do que sobre a própria personagem Bentinho - o próprio nome do livro já diz isso! Esqueçamos os "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" da garotinha, ou os trejeitos adquiridos por Ezequiel, que lembravam o amigo morto. O mundo é filtrado pelos olhos envelhecidos - e que àquela altura já o viam de maneira um tanto acinzentada - do narrador.

Em minha modesta opinião, o tema do livro é o remorso de Bentinho. Ele é um documento escrito para tentar justificar os erros do passado e do presente. O narrador é o grande traidor, pois foi ele quem deu as costas para sua amada e, depois de sua morte, ainda assume alguns casos passageiros, damas que o visitavam... Talvez seja o remorso misturado à ideia de ter sido desonrado que o leve a pensar no suicídio. Bentinho é egoísta e possui um lado mau, que quase o leva a envenenar o filho.

Enfim, a questão de se duvidar do narrador já foi colocada por outros críticos com muito mais experiência e respaldo do que eu, mas não sei se esse tema do remorso já foi levantado, ou algo nesses termos.

Agora, pergunta-me o leitor se eu recomendo a leitura? Sim. Leitura obrigatória para qualquer estudante de letras ou mesmo para qualquer brasileiro. É necessário conhecer sua cultura e sua literatura. Fora isso, é um livro que pode se ler rápido, não é tão cansativo mas... convenhamos, é apenas um drama doméstico de alguém insignificante e que não faz muito mais do que falar sobre si mesmo. Para mim não é a obra máxima de nossa literatura, nem o lado que mais me interessa de Machado de Assis.

OBS: Antes das críticas, isso é apenas uma opinião pessoal, não um trabalho acadêmico... opinião, cada um tem a sua, ok?

sábado, setembro 03, 2011

Jogo de damas


Algumas coisas se fazem em pares. Como jogar damas. Inicia a partida, um ganha outro perde. Tem coisas em que os dois ganham, outras, em que os dois perdem. Maus perdedores destroem tudo, jogam todas as memórias no lixo, atacam o adversário... Não sei se ganhei ou se perdi, só sei que vou guardar as lembranças. Numa caixinha ou na cabeça, como sempre. Direito meu. Para que me desfazer, assim, completamente, de meu antigo parceiro? Respeite-me o próximo jogador.

terça-feira, agosto 23, 2011

Humor


Uma ponta de beleza
bem no meio da feiúra
que é criada pelo homem.

Piada da Natureza.

sábado, abril 30, 2011

O caminho...

Então... ele pelo menos tinha uma pedra no meio do caminho. Ou dentro do sapato, talvez. De qualquer forma, sortuda aquela pedra. Encontrou um cara bacana, podia ter conversado. E olha que ele não ficou nem um pouco alheio a ela. Dona pedra, tinha algo de sedutora para jamais ser esquecida. Estar ali, no meio do caminho, talvez tenha tornado as coisas mais heróicas, suponho. Será que eles conversaram? Deviam. Afinal, qual o mal em se conversar com uma pedra? Tem gente que conversa com santo, ou com lápides, mas jamais conversaria com uma pedra sem forma. Será que era grande? Devia ser, para ser tão notada.

Talvez errada estivesse a estrada, ou o caminho. Por que não desviou da pedra? Acho que a pedra e o caminho tinham algo em comum, como almas gêmeas que não podem ser separadas. Romântico isso: a pedra e o caminho, unidos eternamente. Comove mais que amor humano com suas idas e vindas que vão terminar num final duvidosamente feliz, que a gente mais inveja do que acredita. Mas, como diria o Professor, o final feliz satisfaz, é o que a gente anseia de verdade. O nosso final feliz.

E pensar no poeta... poxa! Um triângulo amoroso? O caminho e a pedra já estavam lá, daí vem o intrometido. Mas a pedra é fiel! Não se afastou. E se os três, de repente, conversaram? O que teriam dito?

No meu caminho não tem pedra nenhuma. Chato... mal dá pra bancar o herói e pular por cima da pedra gritando bem alto, o grito de um vencedor, ou de um animal...

O caminho só vai e cansa. Daí a gente senta no meio e vê se alguma pedra passa por nós.

Nós? Que nós?

quarta-feira, abril 20, 2011

Solidão

Sentar-se só. Nesse banco, que já foi ocupado por milhares de corpos desconhecidos, que conversavam alegremente, abraçavam-se, beijavam-se, ou apenas viam a vida passar. Devagar, como sempre. O banco que servia para o descanso das pernas ou para acalmar do coração.

Um corpo só. É apenas o que resta. O que resta é a comunhão com as árvores e os pássaros, que olharão e se deixarão tocar sem sentimentos que venham a comprimir o coração.

E tocar a terra, com os pés descalços, na mera busca de um toque que seja vivo, que tenha alma. Um corpo imenso que acolhe e abraça, que dará o último abraço, o beijo amante, a jura de amor eterno e a promessa de não abandono, jamais!

E o vento trás aqui os cheiros de quem já se sentou ao meu lado, que se distinguem entre todos os milhares de cheiros de todos os milhares de corpos que por aqui já passaram. Memória.

E a sombra de uma árvore a se agitar suavemente, ignorando a tristeza e explodindo em cor, em verde, em luz. Ferindo com tanta beleza em uma explosão de flores, que se desprendem com o vento e vem a roçar a pele...

Ignorante, a natureza é bela. Banha-se de sol. Luz que fere os olhos mas não atinge o coração. Derruba a consciência em lágrimas que não se secam, apenas transbordam... transbordam até que transforme a dor em cansaço, o ódio em cansaço, a esperança em cansaço, o medo em cansaço, o amor, a alegria, a vida, os sonhos... em cansaço.

Só. Só nos sobra o cansaço. A falta de vontade de sonhar, de crescer, de viver, de ser.


Até que surge novamente, aquele perfume estranho e familiar. A beleza estrangeira que nunca partiu do coração exilado. Daquele que busca sua terra e sua origem. A saudade de um território estranho, quase apagado na memória, o mundo dos sonhos, onde a comida é doce e os abraços infinitos, há apenas sorrisos e nenhuma dor.

O perfume acompanhado de uma nova forma. Acalmando a mente e toda a dor que possa haver em um coração. Essa dor que se converte em silêncio e que só acumula, não encontrando escape nem em um grito.
E o grito absurdo que não se ouve, só gela a alma, entorpece os sentidos e conduz a vigília. Vigília eterna, que virá a corroer por dentro tudo o que é bondade, só deixando o pesadelo e, enfim, o medo de dormir, apesar do cansaço.

A necessidade de estar alerta a cada sentimento novo e sem nome, que brotar de um coração. Tentar compreendê-los. Manter a mente alerta para o que o corpo já não sente.

Tudo isso sozinho, em silêncio. Só.

domingo, março 27, 2011

O instrumento perfeito



Era uma vez um velho construtor de instrumentos musicais, conhecido em sua região como o melhor de todos no ofício. Fazia com sua arte toda a sorte de instrumentos, desde o mais simples tambor de pele esticada, até os sofisticados e complexos teclados e todo o tipo de mecanismo que se interpunha entre o homem e a produção do som. Certa noite, enquanto dormia, veio-lhe um anjo, em sonho, e disse:

- Chegou ao céu a sua fama: de que és, entre os homens, o mais habilidoso construtor de instrumentos musicais.

Impressionado com o que ouvia, o velho não respondeu, antes deixou que sua modéstia e timidez aflorassem e encolheu-se, mesmo em sonho, diante da figura celestial. Entendendo, porém, o que se passava no coração do velho, o anjo não se zangou. Apenas disse:

- Sei que me temes e não és orgulhoso. Mas tenho um pedido do Pai, que só as mais habilidosas mãos podem realizar. Amanhã voltarei e me darás resposta, se aceitas ou não o trabalho.

Assim desapareceu o anjo e o velho pode voltar ao seu sono tranquilo.

Na manhã seguinte, lembrando-se do que lhe acontecera em sonho, o velho foi buscar o conselho de um sábio. Encontrou-o sentado debaixo de uma árvore, deixando-se acariciar pelo vento suave e se deleitando com o canto dos pássaros. Aproximando-se devagar, disse o velho, baixinho:

- Com licença senhor.

- Pois não! - respondeu o sábio.

- Disseram-me, há tempos, que és o detentor da mais vasta sabedoria entre os homens – disse o velho.

- Nem tanto – respondeu o sábio. - Sabes como funcionam a mente e, principalmente, a língua das pessoas. Mas se queres minha ajuda, não tenha receio em pedi-la. Está uma manhã agradável e nada me perturbará.

Então, o velho contou o que havia sonhado e a proposta que o anjo lhe deixara. Depois de ouvir cada palavra com bastante atenção, o sábio respondeu:

- Aceitas a proposta se ao teu ofício ela condiz e não temas qualquer castigo, caso venhas a falhar, pois Deus também é misericordioso.

Ouvindo isso, o velho se alegrou e voltou para a casa. Mas, ao chegar a noite, notou suas mãos trêmulas e a vista já bastante cansada. Ao se deitar, temeu a volta do anjo, que, de fato, voltou – pois os anjos não são lá muito dados a contar mentiras ou a descumprir promessas. E disse o anjo:

Então, aceitas o pedido de nosso Pai?

- Sim! - respondeu o velho com firmeza e, neste momento, seu coração se encheu de alegria.

- Pois bem! - disse o anjo. - Assim será o instrumento que deverás construir: será feito de madeira, com cordas esticadas sobre um eixo, que dividirá o instrumento em duas partes iguais; deverá soar mais baixo que a voz humana, porque esta é o instrumento perfeito criado por Deus; ser leve e fácil de carregar; não será nem muito grande, nem muito pequeno, mas sua medida se adaptará ao corpo do homem; terá a forma do infinito e um buraco sobre o tampo, para que possa bem soar; e o buraco será perfeito e circular; e aquele que olhar para dentro do círculo encontrará mistério e escuridão. Desperte agora para que não esqueças do que foi dito. Ainda mais uma vez eu voltarei.

Assim, desapareceu o anjo e o velho acordou. Anotou em um papel tudo o que pôde lembrar e, como ainda era noite, voltou a dormir, intrigado e aflito com a forma do infinito e o mistério a ser contemplado.

No dia seguinte, o velho procurou, mais uma vez, o sábio e perguntou-lhe sobre a forma do infinito. O sábio, também intrigado com a pergunta, refletiu sobre a imensidão da Terra, dos astros e, por fim, de Deus. Depois voltou-se para as coisas pequenas: o homem, o burro, o cachorro, o rato, o grilo, a formiga, o grão de areia e imaginou ainda coisas menores, as quais não sabia nomear. Então perguntou ao velho:

- Apenas isso te disse o anjo?

- Sim – respondeu o velho.

Então, o sábio, que até agora só olhara para fora, calou-se e fechou os olhos, procurando algo dentro de si mesmo que lhe mostrasse o infinito, até que ficou confuso se o encontraria no vazio ou em todas as coisas. Disse tudo isso ao velho e concluiu:

- Como vês, há também limites em minha sabedoria.

Nesse dia, o artesão voltou para casa angustiado, temendo a chegada da noite. Mas ela chegou. Então, teve medo de adormecer e ficou, por horas, contemplando o infinito céu noturno, até que a fadiga o derrotou e ele, finalmente, dormiu.

Mais uma vez veio o anjo e disse:

- Não se assuste com a tarefa, bem serás capaz de realizá-la. Nunca se esqueça do eixo central e da simetria do instrumento. Pois continuo com as instruções: três será o número regente, para que não esqueças da Santíssima Trindade, da Sagrada Família, dos três reinos que as almas habitam; e, não esqueças, também, de que três foram os crucificados e não havia só perfeição entre eles. Três e três se encontrarão sobre o eixo e três cordas haverão de cada lado. O braço será longo, com quatro vezes três casas ao fácil alcance dos dedos, e outras tantas a penetrar o infinito. Três oitavas alcançarão essas casas, antes de adentrarem o infinito e em simetria serão colocadas as cravelhas, três e três. Em três semanas construirás o instrumento, guardando todas as suas medidas e gabaritos; e, três dias depois de pronto, se tiveres sucesso, um enviado de Deus virá buscá-lo, para quem darás o instrumento de presente.

O anjo desapareceu e o velho despertou, anotou tudo o que pôde lembrar e começou a desenhar, sobre o papel, como deveria ser o instrumento, até que, vencido pelo cansaço do trabalho e da idade, adormeceu sobre a mesa.

No outro dia, só despertou quando ouviu batidas ansiosas na porta de sua casa. Era o sábio, com seu jeito típico, alegre e bonachão. Trazia uma folha de papel com um desenho e disse:

- Procurei em livros antigos algo que pudesse me dar uma ideia sobre o infinito e acabei encontrando esse sinal.

O velho, então, correu os olhos sobre uma fina linha que corria, dava uma volta e cruzava consigo mesma, voltando ao princípio, como um laço sem início, nem fim. Surpreendeu-se, mais uma vez, ao comparar o desenho trazido pelo sábio com os rascunhos que fizera durante a noite, pois havia semelhança. Daí teve certeza de como seria o instrumento.

Conforme disse o anjo, três semanas o velho gastou na construção e, depois de três dias, apareceu em sua oficina um jovem dizendo que procurava uma nova forma de alegrar a Deus, aos homens e a todas as criaturas. Assim, entregou-lhe o velho o instrumento perfeito, que o anjo lhe mandara fazer. E o velho disse:

- Meu jovem, com esse instrumento, não irás somente alegrar a Deus e suas criaturas, mas poderá, também, contemplar seus mistérios e sua infinitude.

O jovem tomou o instrumento, bastante surpreso por recebê-lo de presente, e saiu pelo mundo encantando a todos com seu talento e a maravilha que trazia em mãos.

Por todo lugar onde passou, os mais engenhosos construtores de instrumentos musicais copiaram as formas perfeitas e misteriosas daquela obra de arte, de modo que, embora muitas dessas cópias não fossem tão belas, nem soassem tão bem, o instrumento perfeito acabou se tornando bastante popular.

O velho que pela primeira vez o construíra não enriqueceu e seu nome não é mais hoje lembrado. Porém, ele encontrou as mais profundas paz e alegria por sua vida e, depois, por toda a eternidade.



quinta-feira, março 24, 2011

Thomaskirche - Leipzig

A última vez que fui à Igreja foi uma experiência realmente estranha. Já havia estado naquela igreja antes para visitar, conhecer o lugar, tirar fotos, etc. Agora eu estava ali para o serviço religioso e uma estranha sensação tomava conta de mim. Será que eu realmente não acreditava mais em tudo aquilo? Ou só estaria cansado, ansioso, alerta demais à língua estrangeira...

A música era maravilhosa. O órgão, o cantor, o violino, tudo ecoando majestosamente sob aquele teto cheio de nervuras. A igreja estranhamente irregular e assimétrica era bonita. E continuou bonita mesmo quando eu notei que os vitrais não tinham temas religiosos: eram Bach e Mendelssohn que estavam ali.

Por qualquer motivo que fosse, talvez por respeito, agradeci por estar ali. Agradeci por minha família, pelos novos amigos que estava fazendo e por todas as chances que estava tendo, que, eu sei, são raras.

Agradeci. Mas era tão diferente dos outros que estavam ali...

sexta-feira, março 18, 2011

E se eu me apaixonasse por você?

Leipzig
Estive pensando... E se eu me apaixonasse por você? Imagine como seria! Se eu compusesse poemas e canções? Inventasse um mundo mágico e a convidasse para ser a rainha! E se eu tentasse tornar seus dias mais belos, forjando nossa própria beleza ou lhe mostrando a beleza do mundo? E se eu fosse um descanso em seus dias tão longos. E se eu fosse a fuga dos dias tão cinzas, das janelas, todas iguais, com cortinas e grades, que cerram o olhar e afastam o medo? Eu seria seu guardião e a protegeria de todo o mal? Talvez não. Mas seria aquele que a faria sorrir depois da queda e a carregaria caso se machucasse.

E se um dia... Você se apaixonasse por mim? Como seriam nossos dias? Repletos de sorrisos? Uma alegria que ultrapassasse os lábios e fosse encontrar nos olhos um brilho que significasse mais que qualquer palavra! E uma lágrima ecoasse mais alta que o riso e nossos rostos molhados, de uma felicidade salgada e tão saborosa que chegaríamos a temer que fosse demais para nós!

E nós só precisaríamos nos apaixonar...

domingo, fevereiro 27, 2011

A fulana e o Led Zeppelin


- Não sei por que raios, essa mulher agora resolveu de comprar uma escada para o céu! Logo ela que antes se gabava de sua racionalidade e, portanto, descrença no divino; buscava por todos os meios uma forma de alcançar o paraíso! Decerto estava era com vontade de ralhar com Deus, por qualquer perfeição excessiva ou imperfeição que tivesse encontrado no Criador ou em sua obra. Então diria: "Ora, Criador, você é muito certinho! Tem mais é que curtir a vida! Afinal, não foi pra isso que você inventou o pecado?" Teria calafrios com essa blasfêmia se lá fosse muito apegado ao cristianismo. Mas, de fato, duvido que ela faria perguntas de caráter mais filosófico ou racional, como muitas vezes gostava de fazer por aí. Não que fosse exibicionista do tipo arrogante que gosta de crescer para cima dos outros. Apenas gostava de manter a conversa em um nível elevado, que frequentemente, porém, tornava-se apenas cansativo, sem objetivo e constrangedor. Ah, mas essa escada! Nem parecia algo razoável e que pudesse existir de verdade. Ela procurou por todos os lugares, sempre perguntando mais e mais, a despeito do que pudessem dizer as placas penduradas nas paredes. Palavras que podem enganar. Quem dera fosse tão poderosa quanto acreditava ser e com uma única palavra conseguisse o que quisesse. Mas não era assim...

Todavia, um dia ela conseguiu encontrar e comprar a tal escada. Depois passou dias se preparando para subir, afinal de contas a escada a levaria a algum lugar especial, supostamente. Estava toda preparada e até tinha colocado as suas jóias, que não eram de ouro de verdade, mas isso não importava. Elas brilhavam! Ela me olhou nos olhos e estávamos sem palavras.Seria aquilo uma despedida? Eu sabia que haviam dois caminhos e que se algo desse errado poderíamos escolher outro durante o percurso. Ela, contudo, não devia pensar assim. Sem dizer nada, olhou para cima e começou a subir.

Um apito soou. Lá no fim da rua virava um flautista, um cara de uma outra banda. Seria ele que nos levaria para a razão? Talvez. O fato de não haver um bando de ratos o seguindo me pareceu promissor e a música que saía de sua flauta prateada era, de fato, encantadora. "Você pode ouvir a música?" - perguntei sem esperar resposta. E ela parou. Sim, ela podia ouvir; mas a escada era tão brilhante e uma luz vinha de lá de cima. Não subiu mais nem um degrau. Também não desceu. Ficou parada e eu esperei por um tempo. O flautista já começava a se afastar e, no meio de tudo aquilo, segui-lo era a única coisa que fazia sentido. E foi o que fiz.

Agora não sei mais se ela realmente chegou a ouvir a música...

NOTA: Texto inspirado pela letra da música.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

História, histórias

Quedlinburg
Andando por essas ruas mais velhas que meu país, tão carregadas de história e de histórias, é cada vez mais difícil não se sentir um tanto esmagado pelo tempo. Cada centímetro desse lugar tem pelo menos umas quinze histórias para contar: de desespero, tristeza, revolta, dor, ódio e até de esperança! Tudo isso, de uma forma ou de outra parece cair sobre os ombros do povo, que, inconscientemente, não anda; apenas marcha. Firmes e decididos como soldados, aparentemente, oferecendo o seu melhor, sem preguiça e sem descanso... sem preguiça e sem descanso.

Os sorrisos existem. Raros, nublados, às vezes indecifráveis. Mas existem. Até para nós, os estranhos.

Estranhos a esse mundo estrangeiro, que nos recebe e nos intimida. Onde escreveremos algumas anedotas particulares, bem menores que um ponto no longo texto dessa história, que se entrelaça até nas asas dos corvos, sempre vigilantes, atentos a nossa queda, enquanto só podemos vê-los voar.

E de pensar que meus heróis andaram por essas ruas, tocaram essas paredes, preencheram esses espaços, agora vazios. E pensar que meus heróis... eram apenas humanos, que sentiam fome, sede, reclamavam da vida e, ainda assim, enchiam o mundo com as coisas mais belas de que já se ouviu falar! E eles eram apenas humanos!

Mas a história que se respira aqui não é a desse tempo. É bem mais nova, aliás. Mas é uma história de que as pessoas se lembram. Um mundo do qual nós só ouvimos falar, carregado de medos e vontades, mais desejos que necessidades; desconfiança; segredos. O pensamento escondido, dizível, mas não dito.

E qual é a minha história diante disso tudo. Minha história insignificante de desencontros e saudades. Lugares que lembram pessoas, que pertenceriam mais àqueles lugares do que eu. E ser soterrado pela própria memória, dos sorrisos e dos beijos não dados, da despedida que nunca existiu, da ânsia por um reencontro, de toda a mágoa contida e que nunca terá vazão. O grito de ódio, transformado em um brilho triste do olhar, a lágrima que não sai, não lava o rosto nem a alma. E todos os sorrisos, irrefletidos e insinceros. Alegria insistente e desonesta, apenas necessária para uma mísera sobrevivência.

E todo esse ruído? O falar demais com pouco a dizer. A força incessante que me tira dentro de mim. O paradoxo do medo e da necessidade de se estar sozinho. Nunca conseguir estar com quem se quer estar.

Silêncio, porém, insuportável.

A história dos outros e a minha história são ambas incompletas.