terça-feira, julho 28, 2009

Araraquara e suas mudanças


Passando outro dia pela recém reformada fachada da Igreja Matriz, fiquei pensando sobre as probabilidades de que algum dia esse gigante arquitetônico fosse concluído. Diante de algumas recentes reformas na cidade, não julguei de todo improvável que tal empreitada fosse levada a cabo, e que o universo araraquarense estivesse andando em um sentido pouco habitual, isto é, para frente. Não sei ao certo se é uma nova configuração celeste, intervenção divina, evolução ou mero acaso. O fato é que algo realmente pode estar mudando.

Tudo parece ter começado no dia em que resolveram reformar a rua dois. Até hoje há calorosas e infrutíferas discussões sobre a circulação de automóveis naquele local. Entretanto, apesar calçada nova e tudo, não é mentira que a rua continua feia, a diferença é que, onde antes mal passavam pedestres e carros, agora pelo menos sobre as próprias pernas é possível transitar.

Mais recentemente, o alvoroço se deu na rua cinco, o Bulevard dos Oitis. Houve até uma patética “sessão de fotos” para retratar a beleza que seria perdida com a reforma. Para não falar o trabalho que deve ter sido conter as dezenas de dedos enrugados que insistiam em arremessar descuidadamente os paralelepípedos “ao seu local original”, ou seja, no meio da rua. Contudo, a despeito de tantos esforços para conter as obras, elas foram concluídas. E, o mais importante, nenhuma árvore foi ferida durante as reformas.

Também não será sem um certo aperto no coração que nos despediremos dos famigerados trilhos que cortam a cidade. Depois de tantas e tantas campanhas eleitorais terem se ocupado com o tema, e a mente araraquarense ter se dado ao luxo de criar as mais maravilhosas fantasias a respeito do novo espaço a ser ocupado, parece que hesitamos em deixá-los ir, pedimos aos trilhos para que fiquem, literalmente, entre nós, assim, nos dividindo por mais um pouquinho de tempo, tão bonito!

Mas qual é não é o meu espanto ao notar uma movimentação estranha, em frente à Igreja Matriz. Já me tinha sido bastante difícil de acreditar que a reforma da fonte se dera sem maiores percalços; e agora, estariam querendo finalmente terminar a igreja? Ou será que os meus sentidos se enganaram?

Deixando minha imaginação um pouco às soltas, creio que deve haver chegado à cidade algum arquiteto desavisado ou meramente alguém imbuído de espírito empreendedor, como é moda nesses tempos, que não tenha se contentado com o aspecto inacabado de nosso magnífico monumento. Chegando à cidade dirigindo seu carro bi-combustível, modelo 2009, nosso empreendedorista não deixou de notar a maravilhosa cúpula que se destacava em meio a tantos outros prédios, com suas janelas quadradas, monótonas e pouco interessantes. Mesmo sem conhecer o caminho, deixou-se guiar pelo gigante arquitetônico do mesmo modo que, talvez, em tempos antigos, três reis se deixaram guiar ao lugar do nascimento de Cristo.

Contudo, que decepção ao se aproximar do edifício. Além do seu aspecto inacabado, com tijolos nus pela maior parte de seu corpo e contrastando com a fachada rebocada, o gigante já mostrava sinais de deterioração. Em um canto cresciam – à revelia das mãos humanas que, em seu árduo trabalho, acreditavam construir mais uma morada para o Santíssimo – um ramo de plantas, já bem vistosas, que até provocaria um bonito contraste entre o verde de seus ramos e o alaranjado pálido dos tijolos, caso não fosse indesejada. Os degraus, já gastos, e alguns buracos aqui e ali, também não causavam melhor impressão.

Olhou em volta e deu de cara com aqueles vasos assustadores, adornados com caretas chifrudas, sempre a sorrir maliciosamente. Logo atrás de si, estava a fonte, visivelmente recém reformada, e uma estranha caixinha, da qual emanava uma música nostálgica, que lembrava dos tempos de antigamente, quando as pessoas costumavam despender algum tempo de suas vidas nas praças, buscando alguma convivência com outros seres da mesma espécie. Imponente, sobre a fonte, estava pousada uma grande águia, cujo o bico, conforme reza a lenda, aponta para o lugar onde, outrora, havia uma cadeia, e episódios não muito bonitos de se lembrar se passaram por lá. Mas nosso homem empreendedor nada sabia daquelas histórias.

Como as portas da igreja se encontravam abertas, ele resolveu entrar e se deparou com aquela divina imagem estampada na parede. Não era possível escapar daquele Cristo, vivo e enorme, sem os sinais do flagelo e sofrimento com os quais costuma ser retratado. O rapaz sentiu-se tocado diante da vibração celestial que se impunha sobre o interior da igreja e criou a firme convicção de que algo deveria ser feito para que uma obra humana já tão antiga, fosse, enfim, concluída, dando completude e integridade a um portal de união entre o Céu e a Terra.

No dia seguinte, começou seus esforços para a conclusão da Igreja, procurando todas as autoridades responsáveis. Porém, não sabia dos riscos que poderiam ser causados por suas mais nobres intenções. Há ainda, sob a Igreja, aquela serpente gigantesca, que prometeu deitar tudo abaixo quando a construção estivesse terminada? Tendo vindo de outra cidade, o rapaz nada sabia a respeito de tais lendas, e aqueles que desde o nascimento aqui residem, ou dela se esqueceram, ou tornaram-se racionais e práticos demais para darem ouvidos a histórias da carochinha.

Infelizmente, parece que as obras se detiveram apenas sobre a fachada. Logo uma obra dessas que, pela altura a qual se elevaria, nunca iria contar com os mesmos inconvenientes que tiveram, por exemplo, a reforma da rua cinco. Porém, com tantas mudanças ocorrendo numa cidade de fama tão conservadora, em tão curto espaço de tempo, não deveria ser de se admirar que um jovem estudante mais esperançoso se entregasse a devaneios muito mais belos que um estádio de futebol.



Essa crônica foi escrita em uma quarta-feira, 10 de junho de 2009. Infelizmente, os andaimes já foram retirados e, ao que parece, a Igreja não será mesmo concluída.

Muito obrigado!

Onze dias de contador e mais de 100 visitas!

Tive uma semana um pouco enrolada com alguns trabalhos, mas pretendo colocar um texto novo ainda hoje.

Abraço a todos!
Especialmente ao meu irmão que ajudou a divulgar meu blog no seu Twitter.

sábado, julho 18, 2009

Ops! Who's bad?

Depois de ser sutilmente chamado de ignorante e preconceituoso em um dos comentários ao meu post sobre a morte de Michael Jackson, creio que eu tenho todo o direito de dar uma resposta. Espero apenas não me estender demais em assuntos que não são o principal foco desse blog.

Respondendo aos argumentos de Mauro (confiram o blog dele, não deixa de ser interessante), prender-se ao fato de que Thriller é o disco mais vendido da história é negar, no mínimo, uns quinhentos anos da música ocidental de que se tem registro, mais ou menos precisos, através de uma notação musical que podemos, ainda hoje, ler com certa segurança. Afinal, quantos anos tem a indústria fonográfica? Além disso, temos ainda outra questão, talvez de maior relevância, que é como falar com as massas?

Talvez por ter a cabeça dura demais, ser desconfiado ao extremo ou ser simplesmente um teórico da conspiração, é me muito difícil acreditar que a grande mídia mostra “aquilo que o povo gosta”, ou “aquilo que o povo quer”. Penso que o povo, ou a massa – não sei qual termo, nesse caso, não se revestiria de um verniz pejorativo – não tem muitas chances de escolha, afinal, quais são os seus meios de acesso à cultura?

Não pretendo negar que haja talento ou “coisa” boa no mundo pop. Muito menos defender o puro academismo musical. Schönberg foi auto-didata e em seu livro Harmonia, faz frequentes ataques à arbitrariedade dos defensores da beleza, que pretendem, de alguma forma, apossar-se da arte de modo ilegítimo, sendo incapazes de criá-la. Milton Nascimento diz ter feito apenas uma aula de piano e, depois, traumatizado com a experiência, decidiu aprender tudo sozinho – e, digamos, aprendeu muito bem –, tornando-se, na minha opinião, um dos grandes músicos da atualidade.

Falando de grandes compositores e suas respectivas imagens, há poucos relatos sobre compositores antigos ou o que há é de acesso muito difícil. S. L. Weiss parece ter sido reconhecido em sua época, sendo um dos músicos mais bem pagos da Europa. Outros trabalhavam em cortes ou para a igreja, como J. S. Bach – adepto de um estilo já antiquado e só reconhecido séculos depois. No tempo deles a música era vista de uma forma “mais artesanal”, não existia ainda o mito do artista inspirado. A música era estudada, e ainda é, de forma bastante sistemática sendo o contraponto (a arte de combinar duas ou mais vozes) uma das técnicas mais discutidas daquele tempo. Continuando, Haydn era considerado um tanto ignorante, por ter um arcabouço literário restrito; ainda assim, pode ser considerado como um dos principais formadores do que se veio a chamar de classicismo na música. Mozart até me lembra um pouco o Michael. Cresceu já com uma vida pública, recebendo apelidos bem “carinhosos”como “Wundertier” (bichinho maravilhoso), e tornou-se um adulto um tanto problemático, mas cuja genialidade eu não compararia com Michael.

Passando para o Romantismo, chegamos a uma época na qual começa a se formar um mercado musical. A ascensão econômica da burguesia fez com que a música se transferisse das cortes para as salas de concerto e se iniciou, assim, a venda de ingressos. Nessa época também temos algumas figuras imagética/biograficamente interessantes. Schubert passou a vida inteira se achando feio e gordo, mas não deixou de ser reconhecido. Paganini também parece ter sido uma criança prodígio e seu empresário foi responsável pela criação de certos mitos em torno dele, como o pacto com o diabo, ou dizer que ele ficava seis ou sete horas praticando apenas um determinado trecho mais complicado de uma peça, para que ela fosse executada absoluta com perfeição. Hoje, suas peças servem de inspiração para diversos guitarristas virtuoses. A imagem de Wagner acabou pesando de modo tão negativo sobre sua figura, principalmente com a adoção de alguns de seus temas pelo regime nazista, que sua música, embora valorizada, ainda é vista com certas reservas. Nesse caso, a imagem e a biografia ofuscaram o gênio. Perdemos um tesouro.

Dizer que a música não precisa possuir sentido algum, que é pura emoção ou coisas do tipo é, na minha modesta opinião: 1) não conhecer nada de música; 2) ser auditivamente pouco inteligente; 3) ser preconceituoso. Afirmar isso é negar a técnica, o aprendizado e, definitivamente, empobrecer a experiência musical, rebaixando-a a um pieguismo emotivo. Se a música, ou mais propriamente o fazer musical, fosse apenas emoção, creio que nenhum artista precisaria ensaiar. A notação em partituras seria algo completamente inútil e qualquer pessoa seria capaz de fazer música. Bastaria ao fulaninho emocionado subir ao palco e dar vazão a todos os seus sentimentos. Isso sim é desvalorizar o fazer artístico de qualquer tipo, pois mesmo os grandes improvisadores têm que pensar no que estão fazendo. Não é apenas sair tocando qualquer coisa. É aí que está uma das grandes diferenças entre os bons músicos e os medianos.

Dizer que a música tem um sentido não é dizer que ela transmita um conceito, passível de ser traduzido em linguagem. Há uma anedota sobre Beethoven que diz que, certa vez, em uma reunião social, o músico executou uma de suas composições ao piano. Então surgiu alguém metido a sabichão e perguntou: “O que você quer dizer com essa música?” Beethoven voltou-se ao piano e tocou a mesma peça novamente. Moral da história, o sentido da obra é a própria obra, não há o que explicar. Seu entendimento pode até ser subjetivo, mas não é puramente emocional. Há muito trabalho racional na música, tanto da parte de quem compõe como da parte de quem ouve. Obviamente, existem composições que exigem mais ou menos de nosso intelecto e de nossa sensibilidade. Não é preciso ser gênio para entender o “Créu”, mas é necessário um pouco mais de esforço para entender “A canção amiga” do Milton Nascimento.

Quando se iniciava a era da cultura de massa, Adorno já dizia que a produção musical estava ficando muito formatada, sem originalidade e o que, de fato, atraia as pessoas eram mais os traços biográficos do que as particularidades musicais de cada um. É difícil ver uma clara diferença musical entre as personalidades rebolantes e os rappers americanos do momento. A personalidade de uma banda, hoje em dia, é marcada pelas roupas, não pelo som. Certa vez vi um depoimento de Ozzy Osbourne sobre a originalidade dos Beatles em sua época. A cada disco era uma sonoridade nova. Naquele tempo as bandas de rock não precisavam aparecer fazendo cara de mau. Talvez, nos anos de 1980 ainda tenha surgido coisas sonoramente boas. Gosto bastante da Legião Urbana, muitas vezes subestimada em seus três acordes; do Engenheiros do Hawaií etc.

Finalizando, sou bem adepto da mensagem de “Bienal” do Zeca Baleiro sem receio de me tornar paradoxal. Penso que a arte não é inútil, e isso bem o sabem aqueles que a utilizam como forma de promoção social. Não gosto desse tipo de elitismo (o que estendo também para a literatura), nem creio que a música só seja feita de maestros (como poderia notar alguém que tivesse lido mais de um post nesse blog). Mas também não subestimo o povo pensando que o que lhes agrada é só o que é ruim, pobre. Acredito que se lhes fossem oferecidas boas músicas, não só os clássicos, boa parte ficaria satisfeito. E, deve-se ressaltar que também há beleza na simplicidade.
Perdemos a sensibilidade para muitas coisas. Especialmente para a música.

Mas, não posso ficar nem mais um minuto com esse texto. Esse blog é apenas uma tentativa de tentar compartilhar as coisas de que eu gosto e acabei descobrindo apenas por um mero e muito feliz acaso. Nada além disso.

domingo, julho 12, 2009

“Nós deveríamos ocupar os Ministérios”

Como a mídia brasileira em geral não se interessa muito pelos detalhes da educação, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, achei interessante tentar traduzir esse texto para o português. Publicado originalmente no jornal on-line Die Zeit, o texto original, publicado em 16 de junho de 2009 pode ser acessado através do endereço: http://www.zeit.de/online/2009/25/denker-statt-banker

Na foto abaixo, os estudantes mostram um cartaz escrito: Pais ricos para todos.





Universitários bloqueiam Institutos e ruas: começa em Berlim a greve pela educação em todas as universidades

Por Günter Bartsch, Tina Rohowski e Tilmann Warnecke

Às portas do Instituto Otto-Suhr (OSI) da Universidade Livre em Dahlem, correntes, mesas e cadeiras empilhadas impediam a entrada. “A dialética de Adorno não suporta essa correria” dizia uma faixa, pendurada do lado de fora do prédio do Instituto. “Hoje, sem força e poder” dizia outra. Mais de 150 universitários e funcionários protestaram e discutiram ontem por volta do meio dia em frente ao Instituto. O OSI está bloqueado – os estudantes se manifestam contra o que consideram condições miseráveis no ensino superior.

Na última segunda-feira [15 de junho] em todas as universidades de Berlim houve protestos para a abertura nacional da “Greve pela educação 2009”. Na Universidade Tecnológica, os universitários ocuparam o prédio da Arquitetura e, após uma assembleia geral marcharam para o Tauentzien, onde várias centenas foram barrados pela polícia. A manifestação se formou novamente na Straße des 17. Juni e chegou, no início da noite a Unter den Linden. Os cientistas sociais da Universidade Humbolt (HU) decidiram, ao meio dia, interromper suas atividades de ensino normais e retirar seus móveis para o meio da Universitätstraße. Era possível ler em cartazes: “A elite já era merda quando criança” ou “180 Milhões de Euros são o mínimo” - uma alusão às discussões sobre o ensino superior, nas quais as universidades reivindicavam essa soma adicional.

Ontem, universitários de todo país protestaram em 60 cidades. Em Hamburgo, eles bloquearam ruas; em Munique, acamparam em barracas em frente à Universidade Ludwig-Maximilian. Durante toda a semana, universitários e estudantes quiseram protestar no contexto da “Greve pela educação 2009”. O porta-voz dos estudantes da Universidade Humbolt, Tobias Roßmann, citou como principal exigência a reforma do sistema de bacharelado e mestrado. As cargas de trabalho seriam muito altas; os cursos superiores seriam muito autoritários e fechados; e o sistema de ensino na Alemanha, no todo, socialmente seletivo.

Quem quisesse entrar, ontem, no prédio da Arquitetura da Universidade Tecnológica deveria apresentar a identificação de estudante ou funcionário. Os postos de greve deixaram passar apenas cientistas – e estudantes deveriam fazer testes ou devolver livros. “Os funcionários aceitam nosso protesto, mas não o apoiam. Esse é um problema.” - diz o ativista Joshua (28). Em todas as entradas houveram violentas discussões entre os manifestantes e outros universitários, porém os postos de greve permaneceram firmes.

Na assembleia geral dos estudantes na Audimax também foi contestado o quão razoável são os bloqueios aos prédios da universidade. Entretanto, as cerca de 1200 pessoas de outras cidades, que superlotaram o salão, aclamaram. Porém, quem recebeu a maioria dos aplausos foi uma estudante que disse: “Nós precisamos ir para lá, onde a política é feita – nós deveríamos ocupar os ministérios, ir à frente do Reichstag [Parlamento] e da Rotes Rathaus [Prefeitura Vermelha – nome dado à prefeitura de Berlim]”. Extraordinárias são as referências da Audimax à crise financeira. Na parede do auditório estava pendurado um cartaz com a inscrição: “Bacharel e banqueiro em vez de poeta e pensador”.

A algumas centenas de metros do OSI, etnólogos da FU acamparam e queriam permanecer por toda a noite. “Nós queremos discutir com os professores essa semana” - eles disseram. As frequentes trocas de pessoal impediriam uma boa orientação, a eles também faria falta um Café de Estudantes. Além disso, muitos docentes também sofreriam com a escassez financeira: cargos mal pagos de professor preocupam muitos cientistas da nova geração com más condições de vida. Contudo, muitos estudantes esfriaram o protesto: um punhado dos grevistas da OSI partiu em direção ao metrô da Thielplatz para tomar o caminho de casa. No “centro da greve” também há pouco ainda a ser notado. Uma sala de aula está ocupada – à parte disso corre tudo normalmente.

No pátio interno da HU, durante a manhã, universitários penduraram suas reivindicações em um “Muro das Lamentações” simbólico. “Mais livros para as bibliotecas” - estava escrito em um papelzinho; “Presença deve ser facultativa”, “Docentes engajados” ou “Antes era tudo melhor”. De uma caixa de som em um balcão de informações soava uma música alta: “Bom dia, esta é a revolução” cantava a banda Wir sind Helden [Nós somos Heróis] – um clássico, que já na grande greve pela educação de 2003 valia como um hino não oficial. Todavia, a atmosfera de protesto se mantinha dentro dos limites do pátio interno da HU. Apenas poucos estudantes são vistos. Durante a tarde, quando os protestantes soltaram balões no ar com suas reivindicações, a polícia recolheu informações dos estudantes e os dados pessoais de alguns dos participantes.

A direção da universidade, por enquanto, reage tranquilamente à ocupação. “Nós não vamos desocupar” - diz uma porta-voz da Universidade Humbolt, onde universitários qualificam o quarto andar do prédio na Hegelplatz como um “Espaço livre para discussão crítica sobre educação”. E todos os presidentes recomendam dispensar os alunos e funcionários para a manifestação de quarta-feira em frente à Rotes Rathaus.

Para quinta-feira, os ativistas chamam para uma “Ação assalto a banco”. Assim, os universitários querem ocupar a filial do Hypo Real Estate Bank no Charlottenburg, em Berlin. Esta seria uma “ação simbólica, da qual todos os cidadãos deveriam participar” - diz Martin Schmalzbauer do Bündnis [Partido Verde alemão], “Nós não pagaremos por sua crise” e, resignado, “Nós precisamos de mais agitação social na Alemanha”. Os pacotes bilionários para os bancos tinham mostrado “que lá tinha dinheiro suficiente para todos”. Um pacote de salvação para a educação custaria apenas uma fração do dinheiro que foi dado para os bancos.

sexta-feira, julho 10, 2009

A morte de Michael e a surdez do mundo moderno


Acho realmente surpreendente que tanto alvoroço seja causado pela partida de Michael Jackson. O rei do pop, que há tempos já andava esquecido, parece ter se tornado, de uma hora para outra, a figura mais importante de nossa época, de nossa música, um modelo para as futuras gerações. Sua vida pessoal, sempre superexposta, provavelmente não era nenhum modelo a ser seguido por aqueles que desejem cultivar uma mente saudável; sua timidez quando dava entrevistas, contrastava, e muito, com o ídolo que se apresentava sobre os palcos.

Michael certamente se construiu através da televisão. A sua atuação não era apenas como músico, mas era também dançarino, ator, acrobata e o que mais precisasse para agradar aos olhos dos inocentes fãs atenciosamente posicionados do outro lado da tela. Pode-se dizer até que quando se fala dele, o assunto que se sobressai é o de sua imagem, seus clipes sempre inovadores, para não dizer revolucionários; o carisma do menino que cresceu em frente as câmeras certamente foi mantido mais pela sua aparência (mesmo quando ele se tornou aquela caricatura bizarra de si mesmo) do que por suas qualidades musicais.

Mas essa tendência do mundo pop de trazer a imagem para o primeiro plano, tornando-a mais importante que a própria música não foi um privilégio de Michael. Quantas Madonas, Britneys e Justins não o seguiram nessa carreira? E nem se pode dizer que isso foi privilégio do pop. Certa vez ouvi um desses “críticos musicais” dizer que a grande contribuição do Punk foi que a música deixou de ser importante. Bem o mostra um Sex Pistols com suas roupas de boutique; e o que seria dos Ramones sem suas jaquetas de couro?

Nessa aventura da imagem se sobrepondo à música o Brasil também não ficou atrás. O que seria do nosso Roberto Carlos hoje sem o seu terno branco e sua imagem de católico devoto, mesmo que no passado as suas esperanças de conquistas amorosas se concentrassem, inicialmente, mais em um vistoso cadilac do que em um pobre e antiquado calhambeque. Para os mais jovens, teve um Chorão, que conquistou os adeptos do esqueite; e, atualmente, NX Zeros, Fresnos e companhia (i)limitada despedaçam o coração das adolescentes “roqueiras”, ansiosas por usarem maquiagem e parecerem, desculpem-me se a gíria está desatualizada, mais “descoladas”. Ah, e coitado de um Molejo que estava tocando o ritmo certo, na hora certa, mas, infelizmente, com a cara e os dentes errados!

Mas o que perdemos diante do império da imagem no mundo pop? Eu diria que muita coisa.

Nessa rota de ascensão da imagem e decadência da audição, desaprendemos a pensar com os ouvidos. Não se valoriza mais o silêncio, tampouco o barulho. O canto dos pássaros incomoda tanto quanto o escândalo de uma britadeira. Desaprendemos a ouvir música, a compreendê-la, a tentar descobrir algum significado para além das palavras. A música, hoje, ou é alegre, ou é triste. Ou é boa ou ruim. Se for boa, ela será bela. Ou terá alguma utilidade: alegrar, curtir a tristeza provocada por alguma desilusão amorosa; servirá para dançar; ou uma canção de protesto (sendo essas cada vez mais raras).

Talvez especialmente ao brasileiro seja quase insuportável uma música sem letra, sem palavras para se cantar junto. No fim, o bom músico acaba sendo aquele que tem boas letras, ou transmita bons conceitos, visto que nossa sensibilidade também não tende à percepção das sutilezas das formas poéticas de uma letra bem composta. Ressaltemos ainda que essa necessidade de alguma coisa para se cantar junto é tanta, que boa parte da população se contenta com “Ilari, ilari, ilari, ês”, “Bom chi bom, chi bom, bom, bons”, “Tchãs”, “cara caramba cara, cara ôs”, e sabe Deus o que mais a criatividade onomatopeica brasileira poderá inventar!

O século XX não soube valorizar sua verdadeira música, pois ela era incômoda, mas não menos verdadeira. Assim, negamos, ou simplesmente ignoramos, a genialidade de um Arnold Schönberg, um Anton Webern, pois, talvez, suas dissonâncias fossem demais perturbadoras para o público que as ouvissem. Esquecemos também de um Karlheinz Stockhausen, morto em 2007, que não hesitou em inserir em suas composições helicópteros, ruídos de rádio e outras tantas coisas que foram incorporadas à vida moderna.

O novo homem que surgiu no século XX preferiu voltar seus ouvidos à antiga harmonia dos tempos clássicos, mais otimistas com a supostamente ilimitada razão humana; ou ainda deixou-se deleitar com a simplicidade das composições medievais, reavivada com a redescoberta de instrumentos antigos e com a música reconstruída através de laboriosas pesquisas.

Dando as costas à música nova, esse homem evitou se confrontar com sua dissonância interna. Tentou esquecer a lacuna que o separava da natureza e o monstro no qual havia se tornado. Procurou antes inventar uma nova música que o deleitasse, que lhe fosse harmonicamente agradável. Vide, por exemplo, a bossa nova! Embora um Tom Jobim ou um João Gilberto possam, de fato, serem considerados músicos geniais, sua música pretende ser o reflexo de uma harmonia carioca que provavelmente jamais existiu, exceto, talvez, para os mais economicamente abastados.

A música nova perturbou e ofendeu sem proferir qualquer palavra. Por isso, lentamente desaparecem, soterrados pelas falsas harmonias ou pela extrema pobreza criativa, todos os outros gênios que algum dia flertaram com a dissonância. Se há alguma coisa pela qual eu me ressinto com a escola e os grandes meios de comunicação é pelo fato de eles não terem me dado a conhecer figuras como Villa-Lobos, Carmargo Guarnieri e sabe-se lá mais quantos tesouros possam existir sob os escombros do lixo cultural. Assim, o homem moderno matou a música erudita.

A música se esvaziou de sentido. Tornou-se pobre, mero divertimento. Para o senso comum, ser músico não é considerado uma profissão séria; é antes coisa para quem não quer estudar ou trabalhar. A música, mesmo a comercial, pouco a pouco vai desaparecendo da televisão, e, nas rádios, elas lutam contra blocos de propaganda cada vez mais extensos e edições mutiladoras que lhes diminuem o tamanho e destroem sua integridade.

De toda a música sobrevivente só se pode dizer que ela expressa toda a nossa crescente surdez, mesmo que inconscientemente. A música eletrônica, ou o bate estaca repetitivo, como geralmente os mais velhos a chamam, não passa de um reflexo do mundo rotineiro, monótono e caótico que eles mesmos ajudaram a criar e, agora, ao menos auditivamente, rejeitam-no. De outro lado, é também o ritmo frenético que convida a uma comunhão em massa, aos beijos desconhecidos e à alegria barata e efêmera, que necessita de doses constantes para ser reforçada. Lamentável também é o refrão “beber, cair e levantar”, tão fácil de se ouvir através dos potentes auto-falantes de motoristas exibicionistas que circulam pela cidade. Essa música não existe sem o volume em excesso.

Voltando ao Michael Jackson: foi provavelmente o mesmo Império da Imagem, nascente, que cuspiu e enterrou um de seus primeiros ídolos. Michael não pôde lutar contra a doença, a velhice e o esquecimento. Sua vida particular tornou-se pública e conhecemos não só o cantor, mas também, o pai que balança o seu filho na janela de altos edifícios e o homem acusado de pedofilia. Conhecemos uma criatura em constante mutação que, em poucos anos, passou de um jovem de sucesso a uma celebridade excêntrica e doente. Agora, aqueles que se deliciaram com seus escândalos, perdoam-lhe todos os erros e homenageiam o ídolo morto.

O Império da Imagem agradou ao público e corroeu um de seus maiores expoentes. Também nos deixou mais surdos e insensíveis. E o que aprendemos com isso?


Esta é só uma reflexão.

sábado, julho 04, 2009

Francesco da Milano – Hopkinson Smith



Uma de minhas formas de aprender um pouco sobre música é lendo encartes de CDs de música erudita. Em alguns casos eles se mostram bastante interessantes e úteis, especialmente quando se trata de um compositor pouco conhecido ou que compôs especificamente para um instrumento menos prestigiado. É o que acontece, por exemplo, com aqueles que fizeram música para alaúde, vihuela e, até mesmo, violão. Muitas vezes, seus nomes não são sequer citados em histórias da música, a despeito de o alaúde ter sido, em outros tempos, um dos instrumentos mais importantes e de, recentemente, o violão ter adquirido um certo prestígio como instrumento de concerto.

Com o passar do tempo, o alaúde deu lugar aos instrumentos de teclado, como o cravo e, posteriormente, seu filho mais potente, o piano. Quanto aos compositores, não é difícil encontrar relatos de grandes compositores de obras pianísticas. Mas, com o aumento da potência sonora de cada instrumento, bem como com o aumento das orquestras, muito da riqueza, da textura e das sutilezas dos instrumentos mais antigos foram perdidos. Mesmo aqueles que se conservaram desde épocas já bastante distantes – como é o caso dos lendários violinos Stradivarius – foram alterados, de modo que se adaptassem à forma de execução e à sonoridade exigida pelas épocas seguintes.

Francesco da Milano foi um compositor bastante proeminente em sua época, mas acabou soterrado pelas areias do tempo e quase esquecido. Nesse álbum, o famoso alaudista Hopkinson Smith dá vida às composições de Francesco, executando-as em seu alaúde renascentista com toda a sutileza que lhe é possível resgatar através desse antigo instrumento.

Disponho a seguir a tradução de um excerto do encarte:



'Eu ouvi Francesco da Milano, o maior dos alaudistas e um querido amigo meu, tocar sobre esse tema, em Roma, à frente do Papa Paulo III.'
Salinas (De Musica, Salamanca, 1557)

Os mais intrigantes aspectos da personalidade musical de Francesco da Milano nos permanecerá para sempre desconhecido. Ele era um alaudista/compositor cuja musicalidade era considerada divina. Quais eram as qualidades de sons que ele produzia em seu alaúde? Como ele tecia sua mágica? Através de que meios ele trazia seu contraponto para a vida? Como ele respirava vida, de modo tão seguro, dentro de algumas das mais complexas polifonias já escritas para o alaúde? Francesco era conhecido como 'il divino'. Divindade implica a proveniência de um outro mundo – alguma força ou inspiração que fala diretamente para a alma e a eleva à alturas incomuns na vida cotidiana. Em épocas mais recentes, uma dimensão espiritual foi associada com outros intérpretes como: concertos do pianista Artur Schnabel 'eram comunhões … e quando a audiência se dispersava, era com um sentimento de ter sido purificada'; e do jovem Glenn Gould, um crítico de concertos, certa vez, disse: 'somente um vocabulário teológico pode expressar essa manifestação espiritual única de uma esfera superior. Esta é, realmente, música religiosa, aqueles eram sons religiosos'. Talvez a figura de Mozart, que não era somente intérprete, mas também improvisador/compositor (como eram muitos dos grandes alaudistas do século XVI), tenha mais paralelos com Francesco: 'Outros podem alcançar o céu com seus trabalhos. Mas Mozart, ele vem, ele vem de lá'.

A performance de Francesco era encantadora para os seus ouvintes: 'ao tocar o alaúde, ele não era somente excelente, mas insuperável... não deve ter havido ninguém que pudesse se igualar a ele e será difícil encontrar alguém igual no futuro'; 'ninguém era igual a ele tocando o alaúde, quando a questão era o uso da doçura, com infinitas graças'; 'uma harmonia tão arrebatadora [trazia seus ouvintes a] um estado de êxtase de um tipo de delírio divino.'

Para aqueles que o ouviram, Francesco era um incrível comunicador, que transformava o seu público. Para nós, conhecendo-o apenas através de suas composições, ele é acima de tudo uma grande mente e um incrível organizador de primorosas ideias musicais. Suas composições se estendiam da reunião de livres divagações improvisadas (muito poucas) até obras primas altamente estruturadas e de perfeitas proporções. Em uma textura instrumental de duas, três e ocasionalmente quatro ou mais vozes, ele trazia à vida invenções contínuas, com uma clareza de textura que compreendia as possibilidades do alaúde de um modo ideal.
Francesco Canona ou Canova nasceu em Milão em 1497 e morreu em 1543. Foi o seu lugar de nascimento, em vez de seu nome de família, que foi usado quase exclusivamente quando se referiam a ele em sua vida profissional. Como um alaudista, ele era bem-vindo em cortes principescas através da Itália – existem relatos documentando performances em Veneza, Piacenza e Nápoles – mas seus principais empregadores eram de Roma. Ele foi o alaudista pessoal do Cardeal Ippolito de Medici e dos Papas Leão X (1513-1521), Clemente VII (1523-34), e Paulo II (1534-1549), em cuja companhia ele estava, quando o Papa foi para Nice em 1538 para encontrar François I de França e o imperador de Habsburgo, Carlos V.
As primeiras impressões das tablaturas de Francesco datam de 1536. Naquele ano, apareceram três publicações, duas das quais eram dedicadas somente a composições de Francesco. A terceira era uma antologia publicada por Casteliono em Milão, onde sua música pode ser encontrada lado a lado com danças anônimas e peças de seus contemporâneos. Mais publicações seguiram e continuaram a aparecer até muito tempo depois de sua morte. (Como com Josquin de Prés, sua reputação póstuma era tanta que composições atribuídas a ele simplesmente continuaram surgindo.)
As composições que sobreviveram são de dois gêneros: Fantasias e Ricercares – os nomes são usados alternadamente, o último sendo um tanto mais arcaico – e arranjos de trabalhos para vozes. Ambos esses tipos de peças são essencialmente contrapontísticas e podem exigir muito dos membros da plateia, obrigando-os a se tornarem, às vezes, 'ouvintes virtuoses' , quando eles penetram nas interações e nas sinuosidades das linhas musicais.