segunda-feira, novembro 15, 2010

Um cabeça de tatu

Um cabeça de tatu
Escondido no buraco.
Ninguém vê quando ele chora,
Ninguém vê quando ele ri.

Um cabeça de tatu
Escondido no buraco.
Ninguém sabe o que ele sente,
Ninguém sabe o que ele pensa.

Um cabeça de tatu
Escondido no buraco,
Ninguém sabe se ele é triste.
Ninguém sabe se ele existe!

Ninguém sabe se ele existe.
Mas ora não é por isso.
Não é por isso,
Que ele é triste.

sexta-feira, novembro 12, 2010

À Gentil Cavaleira

Gentil Cavaleira,
Diz por onde anda,
que monstros enfrenta
em dias tão quentes.

Conta-me o que a leva
Por estradas ermas,
Jamais conhecidas
por nenhum menestrel...

Diz-me se em sua mente
lembrança carrega
daquele que sempre
em você se alegra.

Pacientemente
espera que volte
e conte seus feitos
heróicos, travessos...

E em um coração
fará monumento
à bela senhora,
Gentil Cavaleira.

escrito em 17 out. 2010

sábado, outubro 30, 2010

Se os tubarões fossem homens

Bertolt Brecht

– Se os tubarões fossem homens – perguntou ao Senhor K. a filhinha de sua hospedeira –, eles seriam, então, mais gentis com os peixinhos?

– Seguramente – ele disse. – Se os tubarões fossem homens, eles construiriam no mar imensas caixas para os peixinhos, com uma porção de alimentos dentro, tanto de origem vegetal quanto animal. Eles cuidariam para que as caixas tivessem sempre água fresca, e, sobretudo, tomariam todas as medidas sanitárias, quando, por exemplo, um peixinho machucasse a nadadeira, então seria imediatamente feito um curativo, para que não deixe os tubarões antes do tempo.

– Para que os peixinhos não ficassem tristes, existiria, de vez em quando, grandes festas na água; pois peixinhos contentes são mais saborosos que os tristonhos.

– Também haveria, naturalmente, escolas nessas grandes caixas. Nessas escolas, os peixinhos aprenderiam, como se nada nas gargantas dos tubarões. Eles precisariam, por exemplo, de Geografia, para que eles pudessem encontrar os grandes tubarões, que estivessem preguiçosamente encostados por aí. A coisa mais importante, naturalmente, seria a educação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados, que é maior e mais bonito, quando os peixinhos se sacrificam espontaneamente, e eles todos deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo, quando eles dissessem que providenciariam um belo futuro. Seria ensinado aos peixinhos, que esse futuro apenas estaria seguro, se eles aprendessem obedientemente. Os peixinhos deveriam ter cuidado principalmente com as inclinações vulgares, materialistas, egoístas e marxistas, e denunciar imediatamente, se algum deles revelasse tais inclinações.

– Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente conduziriam guerras uns contras os outros, para conquistar as caixas e os peixinhos estrangeiros. As guerras seriam levadas a cabo por seus próprios peixinhos. Eles ensinariam aos peixinhos que entre eles e os peixinhos de outros tubarões haveria uma diferença gigante. Os peixinhos, eles proclamariam, são conhecidamente mudos, mas eles silenciam em línguas bem diferentes e não poderiam entender uns aos outros. Para cada peixinho, que matasse na guerra um par de outros peixinhos, peixinhos inimigos, que silenciam em outras línguas; seria condecorado com a Ordem do Mar das Algas e conferido o título de Herói.

– Se os tubarões fossem homens, também haveria entre eles, naturalmente, uma arte. Haveria belas figuras, nas quais seriam representados os dentes dos tubarões em cores esplendorosas, e suas gargantas como finos jardins dos prazeres, nos quais se deixariam correr com toda pompa.

– O teatro no fundo do mar mostraria como peixinhos corajosamente heroicos nadariam para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que os peixinhos, sob suas notas, a frente da pequena orquestra, fluiriam sonhadoramente, envolvidos nos pensamentos mais agradáveis, para as gargantas dos tubarões.

– Também haveria uma religião, se os tubarões fossem homens. Eles ensinariam, que os peixinhos só começariam a viver, de fato, dentro das barrigas dos tubarões.

– Aliás, parariam com a história, como é hoje, de que todo peixinho é igual. Alguns deles se tornariam autoridades e seriam colocados sobre os outros. Os um pouco maiores poderiam até devorar os menores. Isso seria bem agradável aos tubarões, pois então eles poderiam receber com mais frequência petiscos mais gordos para devorar. E os maiores cargos ocupados pelos peixinhos iriam cuidar da ordem entre eles, tornando-se professores, oficiais e engenheiros de construção da caixa.

– Resumidamente, haveria então uma cultura no mar, se os tubarões fossem homens.


sexta-feira, outubro 29, 2010

sem título

quem vai curar essa dor?
quem vai secar essas lágrimas?
quem me fará companhia,
quando o sol terminar de se por?

quinta-feira, agosto 19, 2010

Diferente?




Estive pensando... Já me disseram isso muitas vezes, mas eu custo a acreditar. De fato, só queria ser um cara normal, porém alguma coisa aconteceu no caminho e eu sou um tanto diferente. Não sei se sou estranho. Nunca pude ver o mundo pelos olhos de outras pessoas, então creio que nunca poderei ter essa certeza. E acho também que isso não importa. Se sou diferente aos olhos de outro, só peço que aceite minha diferença, ou simplesmente me deixe em paz.

Algumas coisas são difíceis pra mim. Falar com as pessoas, por exemplo. Escolher o assunto certo, a coisa certa, o modo certo. É difícil olhar nos olhos. Não por mera timidez, mas em geral meus ouvidos bastam para acolher bem as palavras. Já quanto às respostas, não espere muito. Às vezes é necessário horas de reflexão para conseguir encontrar a palavra exata.

Não se incomodem com minha distância, tenho medo de furar seu olho caso tente apenas tocar seus cabelos. Não se incomodem com meu silêncio, ele pode ser a melhor coisa que eu tenho. Não preste atenção se eu não sorrir, isso não significa que eu estou triste ou que não goste de você.

Tenho muitos dias tristes. Alguns dias bons. Esses dias, tão raros, não os destrua.

Descobri que eu não entendo um monte de coisas. E que as pessoas se frustram comigo por isso. Não entendo certos olhares; na verdade, não entendo nenhum olhar. Por que você pisca assim tão rápido? Não entendo o que há com seu cabelo, por que você o toca tanto. Por que você diz algumas coisas e deseja outras. Na verdade, eu não entendo nem por que estamos juntos nessa mesma sala. Também não entendi por que você foi embora e não quer mais falar comigo...

Não entendo por que as pessoas querem fazer coisas. Para mim é estranho o fato de que muitas pessoas não conseguem ficar sozinhas, nem um pouquinho. Um pouquinho é sempre necessário. Mas estar sempre sozinho é doloroso.

Eu também gosto de fazer coisas. Mas elas são diferentes. Então as faço sozinho.

De tantas pessoas que vieram e foram embora, sem nenhuma explicação, começo a me perguntar o motivo pelo qual as pessoas vêm até mim. Não que eu não tenha qualidades. Tenho sim. Uma pequena coleção delas. E quem as descobrir, peço que cuide de cada uma e não as tente destruir por qualquer razão que seja.

Não entendo certos conceitos bastante comuns. Na verdade fico chocado com eles. Mas também não gosto de falar disso, por que é por demais estranho.

Mentir é difícil. Então prefiro calar-me.

Gosto que brinquem comigo. Não sou tão sério assim que não aceite brincadeiras. É lógico que há limites e eu gosto de deixá-los bem claros. Mas, por algum motivo, quase ninguém faz isso. Talvez porque eu não entenda as brincadeiras.

Tendo a ser bonzinho. Até gosto de ajudar. Mas não abuse.

Acho esse mundo complicado e estranho. Penso que se eu tivesse nascido em outra época, talvez, fosse melhor. Não sei porque eu tenho que torcer pra algum time de futebol, por exemplo. Em geral, futebol me irrita, especialmente pelo fato de ser uma coisa que as pessoas mais falam que praticam. Talvez seja assim com tudo, não sei.

Barulho também me irrita, apesar de eu quase nunca estar no silêncio. Luzes fortes ou fracas demais... A falta de sentido nas coisas...

Tenho problemas com coisas novas. Por isso todas as minhas roupas são velhas, eu acho. Novas situações, novos lugares e, claro, novas pessoas... tudo é sempre um desafio. Dessas coisas novas, gosto de tê-las todas planejadas.

Acho que não sou muito espontâneo. Algo sempre dá errado quando eu sou espontâneo.

Não entendi por que ela estava me cutucando. Nem por que a outra veio falar da placa-mãe do computador dela comigo! Isso sim é estranho!

Não gosto muito de máquinas, apesar de conviver com elas o tempo inteiro.

Não sei por que não é bom dizer que se gosta de uma pessoa. Nem por que elogios sinceros não são bem aceitos. Deveria ser o contrário.

Posso ser muito sensível às vezes. Sensível a coisas diferentes também.

Posso até ser carinhoso. Do meu próprio jeito.

Então, se me achar diferente, não se esqueça disso. Se sou diferente, por que deveria agir como outras pessoas? Seria incoerente...

terça-feira, julho 27, 2010

Clowns


Hoje cedo me deparei com uma coisa um tanto engraçada. Sério: o que fazia uma foto do Ozzy Osbourne na primeira página de um jornal de interior? A matéria falava sobre o lançamento de seu livro no Brasil, intitulado Eu sou Ozzy e publicado pela editora Benvira.

Muitas histórias cercam a figura de John Michael Osbourne. Da infância difícil às mordidas em morcegos, passando pela criação do heavy metal, a parceria com outros grandes artistas, até o reality show exibido na MTV, a transformação de John em Ozzy foi também um salto da vida comum para o plano da lenda... Mas o quanto terá custado tudo isso? Não seria essa vida uma tragédia casual, com um possível - apesar de improvável - final de conto de fadas, com o reconhecimento do herói culminando em um salto definitivo para o plano do mito?

Apesar do som pesado e da atmosfera sombria, o "Príncipe das Trevas" sempre se considerou um palhaço. Seu trabalho não era outro que não divertir as pessoas. E não se enganem os que consideram isso uma banalidade. A alegria é coisa rara. E séria.

Sem comparações em termos de estilo musical, talvez haja nas terras de cá uma figura semelhante. Do início dOs Mutantes até o seu maior reconhecimento, testificado pelo recente filme Loki, Arnaldo Baptista mostra uma capacidade de trabalho com diversos motivos, que surpreende ao mesclar a dor mais profunda com um toque de humor. A primeira faixa do disco Loki é uma prova disso. Passando pelo reconhecimento das causas de sua própria dor (Venho me apegando ao passado \ em ter você ao meu lado\ Não gosto do Alice Cooper\ Onde é que está meu Rock 'n' Roll?), e revelando-as sem o medo do ridículo. "Eu não estou nem aí pra morte, não estou nem aí pra sorte, eu quero mais é decolar toda manhã".

Arnaldo Baptista é, provavelmente, mais "malandro velho" do que "loki", ou o Loki mitológico, mas não deixa de assustar quando mostra uma verdade, um sentimento, escancarando-os e colocando-os próximo demais de nosso rosto, e colocando a orquestra do circo para encerrar a conversa. Essa é uma amostra da sensibilidade insuportável; o sentir o pulso de todos os tempos e, diante disso, compreender-se humano.

Para encerrar minha lista de clowns, trago uma figura talvez inesperada. Sua verdadeira história de vida já se encontra em um plano de semi-lenda, transcrita por vários e vários biógrafos (ou diria romancistas?). Mas o fato é que alguma operação mágica ocorreu quando Ronald passou a ser reconhecido como J. R. R. Tolkien.

Ser picado por uma aranha na infância, a participação na I Guerra Mundial, o intenso estudo de línguas estranhas como o islandês e o anglo-saxão, a morte de amigos próximos; a vida com um único amor, imortalizado na figura de Lúthien; a convivência com os não menos lendários C. S. Lewis, Charles Williams e Owen Barfield; a devoção ao catolicismo, o amor ao seu país; tudo isso são tentativas de entender, e talvez mitificar, o homem que escreveu a obra literária de maior repercussão no século XX, O Senhor dos Anéis. O mais estranho e perturbador no caso de J. R. R. Tolkien é que ele próprio era um criador de mitos.

Um dos elementos que mais impressionam em sua obra é a capacidade de misturar o cômico e o trágico, sem, contudo, lançar-se à ironia niilista, algo muito mais em moda no seu tempo. Por causa disso, Tolkien sempre correu o risco de ser afastado do mundo adulto. Os velhos não admitem humor.

Dessas três figuras, o que mais chama a atenção é a consciência de seu papel de artista como veículo de uma alegria que talvez nem eles mesmos sentissem. A comparação óbvia e quase clichê é a figura do palhaço triste. Mas existe a arte de dominar a própria tristeza e convertê-la em algo maior. Mas algo que não é só para si, para tornar a vida suportável. É a arte de transformar a própria dor na alegria do outro; sem exigir piedade. Sem morrer no escárnio e na ironia. Sem deixar aquele gosto amargo. É um impulso constante de reconstrução sobre os escombros... não me espanta que não envelheçam.

terça-feira, junho 29, 2010

Versos feitos de madrugada

Era bom quando...

amizade era só brincadeira,
a tristeza era só poesia,
a saudade era só palavra,
e a solidão inexistia.

sábado, maio 08, 2010

Uma parábola por Owen Barfield

Essa é uma breve parábola escrita por Owen Barfield no livro Poetic Diction, sobre as teorias empiristas e idealistas do conhecimento.

Era uma vez um automóvel muito grande chamado Universo. Embora não existisse ninguém que não estivesse a bordo, ninguém sabia como ele funcionava ou como operá-lo, e no correr do tempo dois problemas bem diferentes ocuparam a atenção de dois grupos diferentes de passageiros. O primeiro grupo ficou interessado em invisibilidades como combustão interna; mas o segundo grupo disse que a coisa a se fazer era empurrar e puxar as alavancas e descobrir por tentativa e erro o que acontecia. As palavras 'combustão interna', eles diziam, eram obviamente sem sentido, porque ninguém nunca havia empurrado ou puxado qualquer dessas coisas. Por um tempo ambos os grupos concordaram que o conhecimento de como aquilo funcionava e o conhecimento de como operar aquilo eram intimamente conectados um com o outro, mas, no fim, o segundo grupo começou a sustentar que o primeiro tipo de conhecimento era uma ilusão baseada no mal entendimento da linguagem. Empurrar, puxar e ver o que acontece, eles diziam, não eram meios para o conhecimento; eles eram conhecimento. Esse era um estranho tipo de carro, porque, depois que o segundo grupo tinha, com evidente e gratificante sucesso, tentado empurrar e puxar todas as alavancas grandes, eles começaram com algumas das menores, e o carro era construído de tal forma que quase todas elas, qualquer que fosse outro efeito que tivessem, agiam como aceleradores. Enquanto isso, o primeiro grupo segurava sua respiração e começava a pensar que seu tipo de conhecimento podia talvez ser útil após o desastre.


BARFIELD, Owen. Poetic Diction: a study in meaning. Middletown: Wesleyan University Press, 1973. p. 23-24

Se gostou, leia aqui a tradução do "Prefácio" por Howard Nemerov, a essa mesma edição publicada nos E.U.A.

quarta-feira, abril 07, 2010

Três poemas

Esses são três poemas, o primeiro já um pouco antigo, os dois últimos bem recentes. Nenhum deles foi composto de forma isolada. Canto num salão vazio é uma espécie de introdução para uma historinha cômica, também escrita em versos, que envolve um dragão, um rei, uma rainha má e um cavaleiro. Aladar e Ialla são personagens de uma história mais longa de uma viagem em um universo fantástico. Na primeira versão dessa história havia apenas Ialla, a rainha da Cidade Dividida; já na segunda, o herói troca o nome e passa a se chamar Aladar, em vez de Alfredo, e a história deixa de ser dividida em dois planos e passa a ser um único universo. Mas essa segunda versão só existe na minha cabeça. O nome Aladar foi tirado de uma série húngara de desenho animado, que passou na TV Cultura, chamada As viagens da Família Mézga. Não sei se esse nome possui algum significado especial em húngaro, mas eu quis atribuir um sentido: aquele que canta o humano, ou a alma humana. Enfim, aí estão eles:


Canto num salão vazio
Onde um dia houve rei
Canto ao salão sombrio
Canto a toda minha grei.

Velhos castelos evoco,
Cavaleiros e princesas.
Cantarei o branco floco
E as trevas das profundezas.

Tempestades e dragões,
Sonhos doces e tormentos,
O passar das estações,
Tantos outros sentimentos...


Aladar

Um forasteiro
uma canção
a voz que fala
a alma que inventa
sem sentimento
nenhum além
de ser e criar
como se é
como se vive
como se sente
e não apenas
como se vê.

E ser assim
ser para sempre
apenas ser.


Ialla

Esse amor que só tu tinhas
pela vida, pelo mundo
e pelas coisas que crescem;
e as habilmente forjadas
pelo amor e pela arte,
tão humanas quanto tu.

Agora que estão teus olhos
fechados pelo cansaço
que se arrasta pelos dias
como vais amar aquilo
que já não sentes, não sabes?

Agora só canta a memória.

Deixa a terra envolver-te
fecha os olhos
para sempre
Silencia.

domingo, março 07, 2010

Fechando o caderno


Esse blog foi concebido como um caderno, um repositório de ideias mais ou menos elaboradas, um espaço para exercícios de tradução, crítica e, principalmente, para falar sobre as coisas que eu gosto.

Porém, outras ideias apareceram no caminho, propostas de participação em outros blogs, minha dissertação de mestrado e agora devo me concentrar em outros trabalhos. Portanto, o caderno permanecerá fechado por algum tempo. Essa não é uma despedida, mas provavelmente uma longa pausa.

Então, até breve.

André Modesto

P.S.: Eventualmente estarei contribuindo para o blog Papos&Goles.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Politwittiticando


Quantos caracteres são necessários para se expressar ideias boas e relevantes? Certamente mais de 140!

Uma pequena homenagem a um dos espaços mais mal utilizados da internet.


Esse é outro texto da coluna “ideias menos modestas”, que pretende ser uma área de polêmicas sobre o uso da linguagem em nosso cotidiano. Alvos principais: mídia, publicidade, discurso escolar, auto-ajuda, motivação empresarial e qualquer outra forma de manifestação que se configure como um bloco fechado de ideias.

domingo, fevereiro 21, 2010

Aventuras na floresta


Hoje eu reencontrei esse texto, que já nem lembrava que tinha escrito, e, como achei bonitinho, resolvi postar. É uma historinha sem pretensões, apenas para divertir... ou não. Esse aí do lado é o Totoro, personagem de um desenho japonês.

Depois de assistir mais uma vez ao desenho do Totoro, toquei meu violão e invoquei o Juka. Contei pra ele a história e tivemos a ideia de ir procurar o Totoro.

Chegando na floresta, o Juka, que também é dado a elocubrações filológicas, pensou: "Se o Chihiro é A Chihiro, então esse tal Totoro também deve ser menina!"

Procuramos e procuramos, até tocamos a musiquinha, eu em meu violão e o Juka no pífaro. Mas não apareceu nada, apenas um saci que disse que estávamos tocando horrivelmente e veio pedir cachaça; como não tinhamos, ele foi embora.

Uns dez minutos depois fomos embora também. Porém, no curto espaço que deveríamos percorrer pela floresta, houveram inusitadas aventuras. Sem qualquer explicação, todas as cordas do meu violão arrebentaram e me causaram alguns arranhões na mão. O Juka, coitado, assustou-se, tropeçou e caiu sentado em cima do pífaro, quebrando-o ao meio.

Logo imaginamos que isso só poderia ser coisa do saci e fugimos logo dali.

Assim acabaram nossas aventuras na floresta.



MORAIS DA HISTÓRIA:
Nunca procure Totoros em terra de saci.

Jukas não atraem Totoros.

Se for para a floresta, leve cachaça.

Jamais desagrade um saci.

Se você vir um juka e um saci e estiver a procura de um totoro, não diga que as cordas do seu violão
arrebentaram espontaneamente.

Criaturas do folclore japonês não vieram com a migração.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Essa tal liberdade... - desdobramentos da mídia e do jornal

O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade
Se estou na solidão pensando em você
Eu nunca imaginei sentir tanta saudade
Meu coração não sabe como te esquecer


Eu andei errado, eu pisei na bola
Troquei quem mais amava por uma ilusão
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Não é assim que acaba uma grande paixão

(Só pra contrariar)

Já digo de antemão que estou bem ciente do quanto esse artigo possa ser desmerecido, seja pela minha pouca idade e experiência ou mesmo pela escolha dos versos introdutórios. Porém, às vezes fico impressionado com a capacidade de nossa cabeça em organizar ideias, opiniões e objetos de modo que surja um resultado quase poético.

Desde que eu comecei a tomar consciência de como se editam jornais e transmitem notícias, seja por meio impresso ou pela televisão, tenho sido incomodado pela minha própria opinião negativa a respeito da mídia. Para começar, perturba-me a falta de prioridade dos noticiários. Em todos há um espaço diário dedicado ao esporte – leia-se futebol; em nenhum há um espaço diário dedicado à educação, cultura, novas ideias etc. Em geral, transita-se pelos assuntos policiais, alguns temas políticos (supomos que muita coisa ainda fique por baixo dos panos), catástrofes provocadas pela natureza ou pelo homem e o tal do futebol. Algumas emissoras passam de um assunto para o outro na maior velocidade possível, para que o espectador não tenha tempo de refletir sobre o que acabou de ver e ouvir; outras, aquelas que produzem um “jornalismo crítico”, limitam-se a comentários do tipo “Isso é uma vergonha!” ou jogam logo um respeitável senhor de cabelos brancos que falará indignado contra todas as falcatruas do país, dando “voz” aos sentimentos de toda a nação, em outras palavras reafirmando o senso comum. Estabelecido o ritual, ele é repetido dias e dias a fio, como se fosse uma missa, variando apenas o conteúdo da homilia.

Esses são exemplos apenas dos jornais televisivos, mais acessíveis à população.

Tomado por essa opinião tão negativa, foi quase inevitável que me surgisse a ideia de fazer algo a respeito. Mas, é claro que isso não é tarefa fácil, pois nossa liberdade não inclui um acesso ao discurso de fato. Então, diante da indignação de mãos atadas, é óbvio que a pequenez do espírito humano nos conduz à maldizer aqueles que poderiam fazer algo mais interessante e não fazem...

Desviando um pouco o foco, recentemente o governo federal tem sido alvo de algumas polêmicas que giram em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Os ataques vêm de todo o lado e de toda a forma, que muitas vezes impressionam pelo cinismo e até por certa má vontade. Um exemplo é José Casado, que, em texto publicado no site do jornal O Globo, diz que o texto é árido e extremamente tortuoso – algo que tira a vontade de qualquer ser humano de se informar sobre o assunto. Em outros casos, dá-se logo um grito exaltado: “O Governo quer voltar com a censura!” Paulo Renato em seu blog já falava de uma “escalada do autoritarismo”, que colocaria em risco a democracia representativa em favor de uma “democracia direta”, modelo que, segundo ele, teria sido usado para legitimar a Revolução Cubana. Isso para não falar de uma já possível rebelião militar que derrubaria o governo, escândalos com a igreja católica etc.

Longe de ter censura, falou-se o que se quis sobre o tal programa, mas muito pouco se informou sobre ele. Faltava mesmo um pouco de didatismo de boa vontade explicando o que quer dizer cada coisinha ali escrita!

Contudo, na contra-mão do conhecimento e da sociedade civilizada e democrática (seja lá o que isso quer dizer hoje em dia...), transforma-se tudo em obscurantismo. Há o medo do vermelho, do homem barbudo e da ditadura, que foi de direita!

Mas, o que fazer com o desejo de voltar a tempos românticos, quando tínhamos um inimigo bem definido e podíamos gritar entusiasmados pelas Diretas! A Folha de S. Paulo, em 17 de fevereiro de 2009, até a chamou de “ditabranda”!

O que se percebe é que o dom da tão querida e comemorada liberdade foi assumido por pessoas um tanto imaturas, que, depois de tanto lutar, disseram: “E o que a gente faz agora?” “Ah! Vamo falá de futebol!”

Chegando ao nosso objeto, a canção do Só Pra Contrariar, nesse contexto específico, não só aparece como bastante adequada como recebe ainda um tempero especial do nome do grupo!

O assunto iria longe. Por sorte, acho que não fui o primeiro a notar isso.


Quem quiser olhar o PNDH-3, clique aqui e se surpreenda com uma quantidade menor de escândalos e algumas medidas que parecem bastante necessárias.


Esse é outro texto da coluna “ideias menos modestas”, que pretende ser uma área de polêmicas sobre o uso da linguagem em nosso cotidiano. Alvos principais: mídia, publicidade, discurso escolar, auto-ajuda, motivação empresarial e qualquer outra forma de manifestação que se configure como um bloco fechado de ideias.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Tzvetan Todorov - "Literatura não é Teoria, é Paixão"


Os livros acumulam a sabedoria que os povos de toda a Terra adquiriram ao longo dos séculos. É improvável que a minha vida individual, em tão poucos anos, possa ter tanta riqueza quanto a soma de vidas representada pelos livros. Não se trata de substituir a experiência pela literatura, mas multiplicar uma pela outra. Não lemos para nos tornar especialistas em teoria literária, mas para aprender mais sobre a existência humana. Quando lemos, nos tornamos antes de qualquer coisa especialistas em vida. Adquirimos uma riqueza que não está apenas no acesso às idéias, mas também no conhecimento do ser humano em toda a sua diversidade.


Esse é um trecho de uma entrevista com o já quase lendário Tzvetan Todorov - dica da @biislopes, publicada no site da revista Bravo!

Para quem se interessa por leitura, literatura e educação, vale a pena conferir:

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Inclusão às avessas

Esse é o texto de estreia da coluna “ideias menos modestas”, que pretende ser uma área de polêmicas sobre o uso da linguagem em nosso cotidiano. Alvos principais: mídia, publicidade, discurso escolar, auto-ajuda, motivação empresarial e qualquer outra forma de manifestação que se configure como um bloco fechado de ideias.


Uma das palavras correntes na mídia nos últimos anos é inclusão. Frequentemente puxado, esticado até quase arrebentar, o sentido que se apreende dessa palavrinha mágica nem sempre é claro. Entretanto, não se deve pensar que essa dilatação e subversão de sentido seja uma exclusividade de “inclusão”. Pelo contrário, é só pensarmos em “democracia”, “cidadania”, “liberdade” e possivelmente mais uma dezena de outras.

Mas alguém com voz exaltada e surpresa irá perguntar: “Mas o que não está claro?” Pois é, o que parece óbvio, mas não é, é quem deve ser incluído.

Talvez seja muita inocência de minha parte acreditar que, quando se fala em inclusão, o alvo da proposta seja primariamente as pessoas. Em algum momento ou em algumas áreas bem delimitadas isso pode até ser verdade. Por exemplo, alguém sem emprego que é recrutado por uma grande companhia para realizar qualquer tipo de serviço que ninguém mais realizaria, por um salário mais miserável e sem perspectivas de crescimento. Essa pessoa foi “incluída” no mundo do trabalho, não há dúvida, mas é lógico que para falar de dignidade já temos que dar um passo muito grande.

Mas o que me interessa aqui é algo um pouco mais abstrato: inclusão cultural.

Em geral, o movimento de inclusão cultural que se pode observar consiste em trazer a cultura de periferia para o centro, incorporando o funk, alguma coisa (mas não tudo) do RAP, o grafite e o break no cotidiano das pessoas de classe média ou alta. Assim, todo mundo tem uma experiência antropológica com a cultura de periferia e pode até fingir, sob os auspícios do politicamente correto, que aceita ou que acha bonito, colocando os artistas mais rebolantes na TV ou promovendo bailes funk apenas para convidados muito importantes.

Enquanto isso, as pessoas da periferia continuam na periferia.

Outra forma de “inclusão” acontece no discurso escolar, mais precisamente nas aulas de português. Uma das máximas da pedagogia dos últimos anos é “respeite a identidade do aluno”, ou seja, o seu modo de fala, seus gostos, sua postura etc. Enfim, o professor deve adotar uma atitude que não vise mudar o aluno, ensine uma coisinha aqui e outra ali mas não o faça se sentir tão bem que venha almejar algo como ascensão social por meio da educação, por exemplo.
Dessa forma, o que à primeira vista parece respeito a outra cultura e outro modo de vida acaba se tornando uma camisa de força, que impede o contato das pessoas mergulhadas nesse meio social com a cultura dominante. Todos sabemos que não é chamando os outros de “mano” ou “sangue bom” que se consegue um bom emprego, ou mesmo votos. Não adianta, portanto, abraçar a cultura da periferia e impedir os “periféricos” de chegar aos centros da cultura compartilhada por uma elite intelectual, a saber, museus, bibliotecas, pinacotecas, teatros, cinemas, universidades, salas de concerto etc.

A “inclusão” torna-se, então, uma via de mão única, na qual só trafega aquilo que é passível de ser tornar mercadoria, especialmente a música e a moda; não as pessoas.

Mas, posso estar enganado. “Inclusão” vem do latim inclusĭo, que significa “encerramento, prisão”.

sábado, janeiro 30, 2010

Es ist an der Zeit

Este é apenas um ensaio de tradução. Está bastante literal, nada demais. É um fragmento do Novalis:

Es ist an der Zeit

Glänzend steht nun die Brücke, der mächtige Schatten erinnert
Nur an die Zeit noch, es ruht ewig der Tempel nun hier,
Götzen von Stein und Metall mit furchtbaren Zeichen der Willkühr
Sind gestürzt und wir sehn dort nur ein liebendes Paar –
An der Umarmung erkennt ein jeder die alten Dynasten,
Kennt den Steuermann, kennt wieder die glückliche Zeit.


Ao tempo

Resplandecente está pois a ponte, que lembra poderosas sombras
Só ao tempo ainda, descansa eternamente o templo aqui agora,
Ídolos de pedra e metal com terríveis desenhos da arbitrariedade
Desabaram e nós lá vemos apenas um casal enamorado -
Aos abraços, um reconhece cada um dos antigos dinastas
Conhece o timoneiro, conhece outra vez os tempos felizes.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Feliz Ano Novo

Sem dúvida, o ano de 2009 foi um dos piores da minha vida. Perdi pessoas, animais de estimação, fé na profissão que escolhi; surtei, chorei uma semana sem parar; fiquei doente, tomei anti-depressivos; me acalmei, mas continuei sem fé. Retomei esse blog para continuar são e, provavelmente, foi uma das melhores coisas que fiz.

Embora o começo de 2010 ainda não tenha dado fim à coleção de desgraças de 2009, sempre pensamos em um ano novo como uma oportunidade de transformar as coisas. Então fazemos um monte de promessas bizarras sobre coisas que a gente sabe que deveria fazer e não fez por preguiça, medo, comodismo etc.

No fim das contas, a gente só quer é se sentir bem, mesmo que continue fumando ou continue gordo; mesmo que não case, não fique rico, nem seja promovido.

Por alguns momentos, esse blog conseguiu fazer eu me sentir bem e, talvez, a única coisa que eu deva tentar (fora as obrigações) seja continuar escrevendo, acreditando que minhas ideias estão por aí sendo lidas, comentadas, criticadas, repensadas, por um monte de gente que eu não conheço e que também não me conhecem, podendo inclusive me achar arrogante, piegas, de mau gosto, infantil, pretensioso, esnobe... mas esse é o meu jeito de existir no mundo.

Enquanto minha não existência não chega, continuo com minhas ideias modestas.

Obrigado a todos que leram, comentaram e me deram força - estejam agora do meu lado ou não.

Feliz Ano Novo!

Até breve.