Esse é o texto de estreia da coluna “ideias menos modestas”, que pretende ser uma área de polêmicas sobre o uso da linguagem em nosso cotidiano. Alvos principais: mídia, publicidade, discurso escolar, auto-ajuda, motivação empresarial e qualquer outra forma de manifestação que se configure como um bloco fechado de ideias.
Uma das palavras correntes na mídia nos últimos anos é inclusão. Frequentemente puxado, esticado até quase arrebentar, o sentido que se apreende dessa palavrinha mágica nem sempre é claro. Entretanto, não se deve pensar que essa dilatação e subversão de sentido seja uma exclusividade de “inclusão”. Pelo contrário, é só pensarmos em “democracia”, “cidadania”, “liberdade” e possivelmente mais uma dezena de outras.
Mas alguém com voz exaltada e surpresa irá perguntar: “Mas o que não está claro?” Pois é, o que parece óbvio, mas não é, é quem deve ser incluído.
Talvez seja muita inocência de minha parte acreditar que, quando se fala em inclusão, o alvo da proposta seja primariamente as pessoas. Em algum momento ou em algumas áreas bem delimitadas isso pode até ser verdade. Por exemplo, alguém sem emprego que é recrutado por uma grande companhia para realizar qualquer tipo de serviço que ninguém mais realizaria, por um salário mais miserável e sem perspectivas de crescimento. Essa pessoa foi “incluída” no mundo do trabalho, não há dúvida, mas é lógico que para falar de dignidade já temos que dar um passo muito grande.
Mas o que me interessa aqui é algo um pouco mais abstrato: inclusão cultural.
Em geral, o movimento de inclusão cultural que se pode observar consiste em trazer a cultura de periferia para o centro, incorporando o funk, alguma coisa (mas não tudo) do RAP, o grafite e o break no cotidiano das pessoas de classe média ou alta. Assim, todo mundo tem uma experiência antropológica com a cultura de periferia e pode até fingir, sob os auspícios do politicamente correto, que aceita ou que acha bonito, colocando os artistas mais rebolantes na TV ou promovendo bailes funk apenas para convidados muito importantes.
Enquanto isso, as pessoas da periferia continuam na periferia.
Outra forma de “inclusão” acontece no discurso escolar, mais precisamente nas aulas de português. Uma das máximas da pedagogia dos últimos anos é “respeite a identidade do aluno”, ou seja, o seu modo de fala, seus gostos, sua postura etc. Enfim, o professor deve adotar uma atitude que não vise mudar o aluno, ensine uma coisinha aqui e outra ali mas não o faça se sentir tão bem que venha almejar algo como ascensão social por meio da educação, por exemplo.
Dessa forma, o que à primeira vista parece respeito a outra cultura e outro modo de vida acaba se tornando uma camisa de força, que impede o contato das pessoas mergulhadas nesse meio social com a cultura dominante. Todos sabemos que não é chamando os outros de “mano” ou “sangue bom” que se consegue um bom emprego, ou mesmo votos. Não adianta, portanto, abraçar a cultura da periferia e impedir os “periféricos” de chegar aos centros da cultura compartilhada por uma elite intelectual, a saber, museus, bibliotecas, pinacotecas, teatros, cinemas, universidades, salas de concerto etc.
A “inclusão” torna-se, então, uma via de mão única, na qual só trafega aquilo que é passível de ser tornar mercadoria, especialmente a música e a moda; não as pessoas.
Mas, posso estar enganado. “Inclusão” vem do latim inclusĭo, que significa “encerramento, prisão”.
Um comentário:
eu acho engraçado como as pessoas pregam "respeito" como se fosse uma espécie de armisticio. Respeito, vindo da parte dominante, é outra forma de dizer "deixem que se enforquem com a própria corda, porque assim nao botam a culpa na gente".
gostei bastante desse texto!
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