sábado, julho 18, 2009

Ops! Who's bad?

Depois de ser sutilmente chamado de ignorante e preconceituoso em um dos comentários ao meu post sobre a morte de Michael Jackson, creio que eu tenho todo o direito de dar uma resposta. Espero apenas não me estender demais em assuntos que não são o principal foco desse blog.

Respondendo aos argumentos de Mauro (confiram o blog dele, não deixa de ser interessante), prender-se ao fato de que Thriller é o disco mais vendido da história é negar, no mínimo, uns quinhentos anos da música ocidental de que se tem registro, mais ou menos precisos, através de uma notação musical que podemos, ainda hoje, ler com certa segurança. Afinal, quantos anos tem a indústria fonográfica? Além disso, temos ainda outra questão, talvez de maior relevância, que é como falar com as massas?

Talvez por ter a cabeça dura demais, ser desconfiado ao extremo ou ser simplesmente um teórico da conspiração, é me muito difícil acreditar que a grande mídia mostra “aquilo que o povo gosta”, ou “aquilo que o povo quer”. Penso que o povo, ou a massa – não sei qual termo, nesse caso, não se revestiria de um verniz pejorativo – não tem muitas chances de escolha, afinal, quais são os seus meios de acesso à cultura?

Não pretendo negar que haja talento ou “coisa” boa no mundo pop. Muito menos defender o puro academismo musical. Schönberg foi auto-didata e em seu livro Harmonia, faz frequentes ataques à arbitrariedade dos defensores da beleza, que pretendem, de alguma forma, apossar-se da arte de modo ilegítimo, sendo incapazes de criá-la. Milton Nascimento diz ter feito apenas uma aula de piano e, depois, traumatizado com a experiência, decidiu aprender tudo sozinho – e, digamos, aprendeu muito bem –, tornando-se, na minha opinião, um dos grandes músicos da atualidade.

Falando de grandes compositores e suas respectivas imagens, há poucos relatos sobre compositores antigos ou o que há é de acesso muito difícil. S. L. Weiss parece ter sido reconhecido em sua época, sendo um dos músicos mais bem pagos da Europa. Outros trabalhavam em cortes ou para a igreja, como J. S. Bach – adepto de um estilo já antiquado e só reconhecido séculos depois. No tempo deles a música era vista de uma forma “mais artesanal”, não existia ainda o mito do artista inspirado. A música era estudada, e ainda é, de forma bastante sistemática sendo o contraponto (a arte de combinar duas ou mais vozes) uma das técnicas mais discutidas daquele tempo. Continuando, Haydn era considerado um tanto ignorante, por ter um arcabouço literário restrito; ainda assim, pode ser considerado como um dos principais formadores do que se veio a chamar de classicismo na música. Mozart até me lembra um pouco o Michael. Cresceu já com uma vida pública, recebendo apelidos bem “carinhosos”como “Wundertier” (bichinho maravilhoso), e tornou-se um adulto um tanto problemático, mas cuja genialidade eu não compararia com Michael.

Passando para o Romantismo, chegamos a uma época na qual começa a se formar um mercado musical. A ascensão econômica da burguesia fez com que a música se transferisse das cortes para as salas de concerto e se iniciou, assim, a venda de ingressos. Nessa época também temos algumas figuras imagética/biograficamente interessantes. Schubert passou a vida inteira se achando feio e gordo, mas não deixou de ser reconhecido. Paganini também parece ter sido uma criança prodígio e seu empresário foi responsável pela criação de certos mitos em torno dele, como o pacto com o diabo, ou dizer que ele ficava seis ou sete horas praticando apenas um determinado trecho mais complicado de uma peça, para que ela fosse executada absoluta com perfeição. Hoje, suas peças servem de inspiração para diversos guitarristas virtuoses. A imagem de Wagner acabou pesando de modo tão negativo sobre sua figura, principalmente com a adoção de alguns de seus temas pelo regime nazista, que sua música, embora valorizada, ainda é vista com certas reservas. Nesse caso, a imagem e a biografia ofuscaram o gênio. Perdemos um tesouro.

Dizer que a música não precisa possuir sentido algum, que é pura emoção ou coisas do tipo é, na minha modesta opinião: 1) não conhecer nada de música; 2) ser auditivamente pouco inteligente; 3) ser preconceituoso. Afirmar isso é negar a técnica, o aprendizado e, definitivamente, empobrecer a experiência musical, rebaixando-a a um pieguismo emotivo. Se a música, ou mais propriamente o fazer musical, fosse apenas emoção, creio que nenhum artista precisaria ensaiar. A notação em partituras seria algo completamente inútil e qualquer pessoa seria capaz de fazer música. Bastaria ao fulaninho emocionado subir ao palco e dar vazão a todos os seus sentimentos. Isso sim é desvalorizar o fazer artístico de qualquer tipo, pois mesmo os grandes improvisadores têm que pensar no que estão fazendo. Não é apenas sair tocando qualquer coisa. É aí que está uma das grandes diferenças entre os bons músicos e os medianos.

Dizer que a música tem um sentido não é dizer que ela transmita um conceito, passível de ser traduzido em linguagem. Há uma anedota sobre Beethoven que diz que, certa vez, em uma reunião social, o músico executou uma de suas composições ao piano. Então surgiu alguém metido a sabichão e perguntou: “O que você quer dizer com essa música?” Beethoven voltou-se ao piano e tocou a mesma peça novamente. Moral da história, o sentido da obra é a própria obra, não há o que explicar. Seu entendimento pode até ser subjetivo, mas não é puramente emocional. Há muito trabalho racional na música, tanto da parte de quem compõe como da parte de quem ouve. Obviamente, existem composições que exigem mais ou menos de nosso intelecto e de nossa sensibilidade. Não é preciso ser gênio para entender o “Créu”, mas é necessário um pouco mais de esforço para entender “A canção amiga” do Milton Nascimento.

Quando se iniciava a era da cultura de massa, Adorno já dizia que a produção musical estava ficando muito formatada, sem originalidade e o que, de fato, atraia as pessoas eram mais os traços biográficos do que as particularidades musicais de cada um. É difícil ver uma clara diferença musical entre as personalidades rebolantes e os rappers americanos do momento. A personalidade de uma banda, hoje em dia, é marcada pelas roupas, não pelo som. Certa vez vi um depoimento de Ozzy Osbourne sobre a originalidade dos Beatles em sua época. A cada disco era uma sonoridade nova. Naquele tempo as bandas de rock não precisavam aparecer fazendo cara de mau. Talvez, nos anos de 1980 ainda tenha surgido coisas sonoramente boas. Gosto bastante da Legião Urbana, muitas vezes subestimada em seus três acordes; do Engenheiros do Hawaií etc.

Finalizando, sou bem adepto da mensagem de “Bienal” do Zeca Baleiro sem receio de me tornar paradoxal. Penso que a arte não é inútil, e isso bem o sabem aqueles que a utilizam como forma de promoção social. Não gosto desse tipo de elitismo (o que estendo também para a literatura), nem creio que a música só seja feita de maestros (como poderia notar alguém que tivesse lido mais de um post nesse blog). Mas também não subestimo o povo pensando que o que lhes agrada é só o que é ruim, pobre. Acredito que se lhes fossem oferecidas boas músicas, não só os clássicos, boa parte ficaria satisfeito. E, deve-se ressaltar que também há beleza na simplicidade.
Perdemos a sensibilidade para muitas coisas. Especialmente para a música.

Mas, não posso ficar nem mais um minuto com esse texto. Esse blog é apenas uma tentativa de tentar compartilhar as coisas de que eu gosto e acabei descobrindo apenas por um mero e muito feliz acaso. Nada além disso.

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