A todos que se sentem órfãos de heróis
Em uma aula de alemão deveríamos escrever uma redação sobre alguma personalidade brasileira importante. Dentre todas as ilustres figuras que surgiram das redações dos alunos, uma foi bastante destacada: Elis Regina. Até a professora de aparência severa se comoveu e explicou o que a Elis representou para sua geração.
Em plena ditadura, ela dava voz aos anseios dos jovens e, talvez, até mesmo de pessoas mais velhas. Todos se preocupavam com ela, se, cedo ou tarde, os militares não iriam prendê-la, fazê-la sumir ou algo assim. Sem contar o seu talento como cantora e suas interpretações quase teatrais que faziam com que Elis conquistasse o seu público.
Devemos lembrar ainda da personalidade bastante generosa da cantora, que emprestou sua voz a canções de outros compositores, como Tom Jobim, Belchior, Adoniran Barbosa, entre outros, criando, assim, versões inesquecíveis de músicas como “Águas de Março”, “Como Nossos Pais”, “Tiro ao Álvaro”, “O Bêbado e a Equilibrista” e, provavelmente ainda muitas outras.
Mas, infelizmente, não vivi o tempo da Elis. Meu herói foi outro...
Hoje faz treze anos que Renato Russo morreu. Na época eu só tinha onze anos e confesso que mal sabia quem ele era. Mas fui conhecendo-o com o tempo, principalmente através de suas canções. Também ouvia entrevistas e assistia a vídeos, e, com o tempo, talvez eu tenha incorporado muitas coisas das músicas da Legião Urbana em mim – é assim que fazemos diante dos nossos heróis –, embora algumas lições sejam difíceis de entender, como o fato de que só há perfeição em nossos sonhos, que para dominar o mundo basta aprender a amar e que liberdade é pensar por si mesmo. É, talvez isso soe muito piegas ou clichê, mas, de fato, suas ideias e sua música me agradaram, eu escolhi ouvi-las por um longo tempo e as ouço até hoje. Nem o Renato Russo, nem a Legião me foram impostos, descobri um pouco por conta própria ou com a ajuda de meu irmão, amigos e da precária Internet discada que existia lá pelos anos de 1996 à 1998.
Em meio a sentimentalismos e comoções, é estranho notar que estes nossos heróis, como todos os seres humanos, um dia se cansaram. Quiseram deixar de ser heróis. Renato brincava bastante com isso, de um jeito às vezes provocador que muitas vezes beirava a insensatez, e em uma de suas entrevistas disse que não existiam heróis e que essa ideia era muito perigosa, principalmente pelo fato de que há sempre a possibilidade de se descobrir que seu ídolo tem pés de barro.
Hoje em dia os heróis são feitos de um material barato, apenas para serem vendidos e estragados. Confesso que tenho muito pouco apreço pelos tempos modernos, especialmente pelo que circula no meio musical de mais fácil acesso. Não que não existam pessoas boas; elas estão bem escondidas, são perigosas...
Sobre uma época em que não vivi, só posso fazer conjecturas, mas me parece que Elis Regina foi um raio de sol que despontava em meio as nuvens de chuva e tempestade. Renato Russo talvez seja como o por-do-sol do último dia de inverno, uma pausa meditativa em terra aparentemente estéril, mas pronta para renascer.
URBANA LEGIO OMNIA VINCIT
Ouçamos no volume máximo
2 comentários:
Faço de suas, as minhas palavras, mas com toda certeza a parte que mais se encaixa comigo é 'Confesso que tenho muito pouco apreço pelos tempos modernos, especialmente pelo que circula no meio musical de mais fácil acesso. Não que não existam pessoas boas; elas estão bem escondidas, são perigosas...'
Eu ouço muito Elis, Chico, Tom, Vinicius e todas essas coisas boas, não consigo achar em cantores de hoje o que eles tinham. E Renato Russo e Cazuza pra mim também são exemplos.
Ah, sem mais palavras, o post ficou fodão, parabéns! Foi uma das poucas homenagens que vi pra ele :/ as pessoas esquecem de quem se deve lembrar né, enfim.
Ai desculpa, eu falo demais mesmo ;x
Beijo.
vez por outra eu fico pensando nisso também? quem vão ser os heróis daqui pra frente? as musicas de que eu gosto foram feitas também todas antes do "meu tempo", e eu sinceramente não consigo ver as coisas melhorando.
No fundo, acho que o que vai acontecer é um nivelamento por baixo e vamos viver com fervor aquela máxima da terra de cegos.
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