quarta-feira, outubro 07, 2009

A menina que roubava livros


Ao pegarmos o livro na mão esperamos por uma história bastante interessante. Afinal, que tipo de história poderíamos ouvir da própria Morte? Sem contar o fato de que qualquer bibliófilo que tem em mãos um volume de mais de quatrocentas páginas já tem uma pré-disposição natural à simpatizar com a pequena ladra.

O cenário é bastante interessante: durante o regime nazista e a Segunda Guerra Mundial. Uma época em que os livros, talvez mais do que lidos, também eram queimados em grandes fogueiras em praças públicas. Um saber perigoso ou uma simples história cujo protagonista não é um autêntico alemão, representante do povo e da raça superior, já são motivos suficientes para que o material que poderia aquecer o espírito vire um mero combustível para gerar uma luz de ferir os olhos e aquecer os corpos.

Entretanto, parece que Markus Zusak teve bem pouco tempo para escrever sua longa história, deixando muitas pontas soltas ou exagerando no pieguismo.

Vejamos a nossa ilustre narradora: para tentar fugir dos clichês mais comuns sobre a Morte, Zusak retirou-lhe a foice e o rosto esquelético; modificou-lhe um pouco o trabalho, tornando-a mais uma carregadora de almas do que a morte em si; deu-lhe um coração capaz de, por quaisquer motivos que não são explicados, afeiçoar-se por determinados seres humanos. Mas a Morte manteve seu caráter quase sobrenatural de estar em todos os lugares possíveis ao mesmo tempo, na hora exata em que deve recolher uma pobre alma e levá-la sabe-se lá para onde. Está aí o primeiro defeito da obra, em minha modesta opinião. Para onde vão essas almas? Para o céu? Ou para o inferno? Irão para uma sala de espera gigantesca onde deverão esperar por toda a eternidade até que a burocracia inerente a justiça divina decida julgar o caso particular de cada indivíduo para, enfim, decidir para onde enviá-lo? Ou será que a Morte apenas carrega as almas para ir dar uma voltinha de barco com o tio Caronte?

Em meio a esse trabalho sem finalidade, é estranho ver a Morte reclamar das milhares de almas que deve carregar durante a guerra ou o massacre dos judeus. Além disso, se a narradora pode estar em tantos lugares e acompanha a morte de cada um, porque nunca sabemos o destino da mãe da roubadora de livros?

Pois bem. Ignorando a inconsistência da narradora, algo que já irá nos perturbar durante toda a leitura, somos colocados frente a pequena Liesel Meminger. Enviada a uma família adotiva, provavelmente porque a mãe fugia de perseguições políticas, a menina deve logo se acostumar com a nova família e lidar com a perda do irmão mais novo. Sua vida na rua Himmel (que quer dizer céu em alemão) é muito dura, pois a guerra impede que o pai e a mãe consigam dinheiro suficiente até mesmo para comer. Em meio a situação difícil a família ainda resolve abrigar o judeu Max Vandenburg em sua casa, mesmo com o risco de serem condenados por traição à ditadura hitlerista.

Nota-se que Zusak tentou por todos os meios fugir de clichês, lançando o olhar sobre uma família que conseguiu escapar do discurso convincente do Führer, aparentemente, pelo simples fato de terem um bom coração...

Apesar dos defeitos como obra literária, não tenho muita dúvida, de que A menina que roubava livros daria um ótimo filme. Zusak, com certeza, sabe construir imagens tocantes... só não sabe concatená-las de modo que consigam um bom efeito sobre o leitor. Mas essas imagens, se vistas rapidamente, sem muito tempo para pensar – bem à maneira dos filmes de Hollywood – certamente funcionarão bem.

Agora, aguardemos o filme. Por enquanto acho que ninguém ainda se propôs a filmar a obra, o que será um desperdício.

Alguns romancistas dão ótimos roteiristas.

Um comentário:

Tati disse...

Nunca li este livro e acreditava que fosse uma excelente obra, mas depois de seus comentários... :/
Mesmo assim, a curiosidade de ler este livro ainda permanece. ;)