quinta-feira, setembro 17, 2009

Então... quem faz Letras é...

Post dedicado aos meus colegas de curso

Após um certo tempo de ausência, volto com um assunto, talvez, nada modesto, mas muito incômodo para mim.

Formei-me ano passado com os pomposos títulos de bacharel e licenciado em letras. Porém, na prática, o que isso quer dizer? Bom, a parte do licenciado é bem fácil de responder: posso ser professor. É claro que, nesse ponto, deve-se desprezar o fato de que minha formação pedagógica foi feita por pessoas que, embora tenham feito seus doutorados nos EUA, na Inglaterra e na França, jamais pisaram numa escola pública e trabalham apenas com ideais de aluno, organização administrativa e espaço físico, elaborando teorias fantasiosas de como é o jeito certo de dar aula.

Talvez seja por esse motivo que a classe dos professores anda tão por baixo, afinal, além desses professores velhos, mas inexperientes, eles devem lidar com toda uma camada de economistas, jornalistas e “etecéteras”, que sabem tudo, e absolutamente tudo, sobre educação! Para não falar dos pais que sempre consideram seus filhos uns anjinhos!

Entretanto, a pergunta que não quer calar é: o que faz o bacharel em letras?

Ao contrário da maioria das profissões respeitadas, o bacharel em letras carece de um nome que designe sua profissão, algo bem irônico para um curso que lida essencialmente com palavras. Note-se que as outras profissões têm a alegria de ter seu próprio nome! Por exemplo: quem faz medicina é médico; quem faz engenharia é engenheiro; quem faz jornalismo é jornalista; quem faz administração é um administrador; quem faz pedagogia é pedagogo; quem faz publicidade e propaganda é publicitário, quem faz direito é... ops! Se não passar na OAB fica no limbo dos profissionais desencaixados...

Mas, voltando ao assunto, poderíamos ter muitos nomes para designar nossa profissão, tais como letreiro, letrista, letrado, letrador, letrante, letrário... alguns até prefeririam o termo “literato”, que soa bem chique, dando um verniz cultural bastante raro àquele que o carrega. Esperto mesmo foi o pessoal da linguística que criou uma área própria e se chamou de linguista, apesar de que a maioria das pessoas acha que linguista é aquele que sabe muitas línguas.

Antes de continuar, devo explicar o porquê desse tópico. Depois da celeuma causada em torno da queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, simplesmente achei que seria mais do que justo refletir sobre o curso que fiz. Ainda mais pelo fato de que tanto nós quanto os jornalistas trabalhamos primariamente com o mesmo material: a palavra. Mas a grande diferença é o acesso ao discurso.

Exemplifico. Já imaginaram o quanto é desagradável ver aquilo que você tanto preza ser tratado com descaso, seja por maldade, preguiça ou pura ignorância? Pois é o que frequentemente acontece com a literatura. Nada mais triste do que ver o que se publica em jornais e revistas não especializados. Agora, por que não chamar alguém que estudou aquilo para falar sobre?

Durante os quatro bizarros anos de nossa existência universitária estudamos linguística, literatura, pelo menos uma língua estrangeira e um pouco de sua literatura, temos que correr um pouco atrás de história, para entender os movimentos literários etc. Apenas na seara da literatura, temos que lidar com três tipos básicos de texto: poesia, teatro e prosa. Na parte de língua portuguesa, além do tradicional gramatiquês que a gente deverá ensinar na escola, a semântica e a retórica se apresentam como matérias bastante interessantes.

Bom, acho realmente uma pena que não tenhamos disciplinas como um creative writing, por exemplo, ainda mais se considerarmos que boa parte dos ingressantes em letras gosta de escrever e arrisca até suas próprias narrativas e poemas... Estudamos muito o que os outros fizeram e somos incapazes de dar forma às nossas próprias criações, sendo cada vez mais chutados para o mal valorizado trabalho escolar.

Todavia, deve-se considerar que à essa formação bastante ampla, somam-se ainda os talentos (ou destalentos) individuais de cada um, como o interesse por música, cinema, artes plásticas e afins, campos que parecem de especial interesse da semiótica.

Então, por que não temos a nossa voz?

Ah! Não quero ser só um repositório de palavras ou de regras gramaticais... não me perguntem sobre o acordo ortográfico... também sei pensar! E leio muito mais entrelinhas que a maioria das pessoas.

Aviso aos que quiserem entrar no mundo das Letras: penetrem surdamente no reino das palavras, abram seus ouvidos, encantem-se, e saiam mudos.

8 comentários:

Vinício dos Santos disse...

Letras é - com o perdão da piadinha óbvia - um curso passivo. Você passa quatro anos recebendo informações (as vezes só um lado da informação) e depois é cobrado para parafrasear aquilo que recebeu. E só.

Também acho que a gente deveria escrever mais num curso de Letras. Não que uma coisa tenha necessariamente a ver com a outra, pq a historia mostra que os grandes escritores passaram longe das faculdades de Letras e os grandes críticos estão longe de serem bons escritores. Mas é engraçado estar sempre em contato com um material que não se utiliza; é como passar a vida inteira montando carros e jamais dirigir um.

elise pierre disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
elise pierre disse...

bonito texto, vc tem q aprender só a editar um pouco. e o curso de letras, sei lá, pelo menos tem um objeto, jornalismo não tem nenhum. é q a gnt não ganha nada com isso.

Anônimo disse...

Adorei seus comentários, foram muito pertinentes. Cursei Letras também e só depois que assumi a sala de aula me deparei com a real situação do ensino nas escolas públicas! No entanto, me sinto privilegiada pelo fato de ter feito esse curso (agora tmb sei ler nas entrelinhas..rsrsrs, parabéns pelo texto!

Unknown disse...

Oii , meu nome é Camila e eu também faço letras.Estou no terceiro periodo de literaturas da Ufrj e sempre tive essa mesma pergunta, quem faz Letras é o que ?Nunca pensei que não tivesse um nome , achava apenas que eu não o sabia rs.Te digo isso pois minha amiga faz relaçoes internacionais e se encontrava no mesmo problema que nós ate descobrir que tinha um nome sim , internacionalista.Não é muito comum e pouca gente da area de relação conhece...
Bem , espero que o mesmo esteja ocorrendo conosco rs.Beiijos.

Jairo Passos disse...

Tenhamos ou nossas dúvidas, cruéis ou não, porém as façamos no mais puro e formal portugues. Senão as dúvidas ficam deveras duvidosas, para exaltados letristas, letrados e, possivelmente, licenciandos ou ... .Do amigo Jairo

Anônimo disse...

Olá.

Posso ter sua autorização para publicar esse texto no meu tumblr? Meu intuito é disponibilizar um repositório de impressões pessoais sobre cursos de graduação no Brasil.

Ainda estou recolhendo autorizações para os textos. Tenho interesse no seu.

Pode deixar uma mensagem no tumblr com seu contato, caso necessário, que retorno. Não vou divulgar seu contato.

Att.
quecursoeu.tumblr.com

Anônimo disse...

Olá,

Estou iniciando Letras português/inglês agora e no momento estudo linguística.

Estou amando!

Bom, acho que "literato"...nossa vou me designar assim, amei!

Letreiro??? Poxa, me lembra legenda de ônibus néee...aí nos desvaloriza um pouco, não?

Letrado??? Letrado todos nós pobres mortais alfabetizados que aprendemos a interpretar e pensar significados, somos letrados. Assim sendo, não precisamos fazer o curso de Letras para sermos apenas "letrados".

Acho mesmo que o "letrista" ganha como o termo que melhor nos designa.

Ah, eu achava que sabia ler nas entrelinhas até ler o seu alerta:
"penetrem surdamente no reino das palavras, abram seus ouvidos, encantem-se, e saiam mudos."

Poxa, não é o meu intento sair muda deste belo curso não viu!!!Quero usar muito bem a minha língua como música para os ouvidos cansados de quem fala...fala e não produz nenhum efeito ativo e positivo na nossa sociedade. "Falam, falam e não tem nada a dizer" senão, "farei isso" e nunca, "acabo de realizar".

Obrigada pelo literato...ai...ai vou ficar vaidosa...rs...abraços!

Adriana