domingo, junho 21, 2009

Quem tem samba com veneno não tem medo de saci

Outro dia, olhando alguns sites pela internet, encontrei, no myspace, dois antigos professores meus. Eu já sabia de suas atividades extra classe, o que fez dessas descobertas não tão surpreendentes como a primeira vista se poderia pensar. Mas algo que certamente me surpreendeu foi a seriedade com a qual os dois lidam com o que à primeira vista poderia ser considerado apenas um hobby. Muito além disso, seu contato com a música gerou frutos bastante interessantes como Cds, trilha sonora para filme, além de um engajamento, cada um ao seu estilo, para manter viva uma cultura comumente soterrada pela grande mídia.

Em 2003, quando eu fazia o meu primeiro ano de cursinho, ainda pensando em prestar música, a notícia de que o professor de matemática havia lançado um CD de samba, intitulado Com todo respeito, causou um certo alvoroço entre os alunos, todos, obviamente, bastante curiosos em relação aos talentos ocultos de nosso mestre dos números. Mas o espanto foi apenas para os mais desavisados, pois, ao que parece, o lançamento desse álbum foi apenas o resultado de um trabalho muito mais antigo, e o professor afirmou que não ia parar de dar aulas para seguir outra carreira.

Lembro-me bem que o Teroca começava a aula sempre com um alegre “Boa noite moçada” e às vezes apresentava o tema da aula, principalmente aqueles mais terríveis, não com menor entusiasmo, acentuando bem cada sílaba da mais assombrosa palavra: “A aula de hoje é sobre lo-ga-rit-mo!” Havia também quem se irritasse quando, ao levar ao professor o mais cabeludo dos problemas, daqueles que a gente fica quatro ou cinco horas tentando resolver e nunca chega à maldita resposta do gabarito, e o Teroca apenas o olhava por alguns segundos, fazia uma cara entre o sério e o bravo, de repente exclamava, com a maior naturalidade: “Ah! É assim!”

É lógico que com o lançamento do disco todos os alunos queriam que o professor “desse uma palhinha”, o que de fato aconteceu. Duas semanas após o lançamento, o aparentemente enciumado professor de português levou um pandeiro pra escola. Então, o matemático não teve escapatória e cantou, junto com toda a classe, o seu samba com veneno.

Mas por que motivo o professor de português poderia estar com ciúmes? Em meio à descoberta dos talentos artísticos do professor de matemática, já era fato bem conhecido que o Fabius tinha, também, sua própria banda, que naquele tempo ainda era a Dione Zica. Começando todas as aulas com o uso da função fática “boa noite”, foi com ele que eu finalmente consegui entender e identificar aquelas orações subordinadas que todo mundo tem medo, quase ninguém aprende direito e muito menos sabe para que serve. Mas aprendi, e, diga-se de passagem, melhor com ele do que na faculdade.

Atualmente, Fabius está em compõe o chamado Trio Tamoyo, um grupo que resgata e inova as tradições da região sudeste, especialmente no estado de São Paulo. Acho isso bastante interessante, especialmente quando comparado às visões de brasilidade veiculadas pelos grandes meios de comunicação. Parece até que para ser brasileiro tem que ser nordestino ou carioca, gostar de samba comer feijoada etc. Como que o brasileiro consegue ser assim para si mesmo, tão clichê? Quanto dessa brasilidade não reside na “caipirada” (no bom sentido) paulista, na moda de viola, nos Rs retroflexos de nossas poRtas, de nosso amoR e de nossa doR?

Com uma formação um tanto incomum de viola de cabaça, baixo acústico e bateria, o Trio Tamoyo, composto, respectivamente, por Fabius, Otávio Gali, e Piza, mistura, em um trabalho bastante interessante, a etnomusica brasileira com rock, procurando sons inusitados, especialmente a partir de sua viola eletrificada.

Para quem não conhece essas duas figuras, acho que vale a pena conferir no myspace:


E também uma entrevista com o Fabius em:

3 comentários:

Anônimo disse...

Grande Teroca, grande Fabius... grande texto, me fez lembrar os tempos de cursinho em que eu não aproveitei nada...rs

Vinício dos Santos disse...

o logotipo do blog ficou bem legal!

Elinei disse...

Sempre, com uma boa pitada de boa vontade, dedicação e gosto pelo que se faz, as pessoas (no caso, professores), conseguem 'chegar lá', serem bem-sucedidas e sempre lembradas por um aluno mais atento aos seus talentos!!! Vc resgatou isso dessas pessoas que vc citou, André, e como vi, até o Ti já postou um comentário...Ele tb se lembra!!! Que legal, gostei!!!