Era uma vez um velho construtor de instrumentos musicais, conhecido em sua região como o melhor de todos no ofício. Fazia com sua arte toda a sorte de instrumentos, desde o mais simples tambor de pele esticada, até os sofisticados e complexos teclados e todo o tipo de mecanismo que se interpunha entre o homem e a produção do som. Certa noite, enquanto dormia, veio-lhe um anjo, em sonho, e disse:
- Chegou ao céu a sua fama: de que és, entre os homens, o mais habilidoso construtor de instrumentos musicais.
Impressionado com o que ouvia, o velho não respondeu, antes deixou que sua modéstia e timidez aflorassem e encolheu-se, mesmo em sonho, diante da figura celestial. Entendendo, porém, o que se passava no coração do velho, o anjo não se zangou. Apenas disse:
- Sei que me temes e não és orgulhoso. Mas tenho um pedido do Pai, que só as mais habilidosas mãos podem realizar. Amanhã voltarei e me darás resposta, se aceitas ou não o trabalho.
Assim desapareceu o anjo e o velho pode voltar ao seu sono tranquilo.
Na manhã seguinte, lembrando-se do que lhe acontecera em sonho, o velho foi buscar o conselho de um sábio. Encontrou-o sentado debaixo de uma árvore, deixando-se acariciar pelo vento suave e se deleitando com o canto dos pássaros. Aproximando-se devagar, disse o velho, baixinho:
- Com licença senhor.
- Pois não! - respondeu o sábio.
- Disseram-me, há tempos, que és o detentor da mais vasta sabedoria entre os homens – disse o velho.
- Nem tanto – respondeu o sábio. - Sabes como funcionam a mente e, principalmente, a língua das pessoas. Mas se queres minha ajuda, não tenha receio em pedi-la. Está uma manhã agradável e nada me perturbará.
Então, o velho contou o que havia sonhado e a proposta que o anjo lhe deixara. Depois de ouvir cada palavra com bastante atenção, o sábio respondeu:
- Aceitas a proposta se ao teu ofício ela condiz e não temas qualquer castigo, caso venhas a falhar, pois Deus também é misericordioso.
Ouvindo isso, o velho se alegrou e voltou para a casa. Mas, ao chegar a noite, notou suas mãos trêmulas e a vista já bastante cansada. Ao se deitar, temeu a volta do anjo, que, de fato, voltou – pois os anjos não são lá muito dados a contar mentiras ou a descumprir promessas. E disse o anjo:
Então, aceitas o pedido de nosso Pai?
- Sim! - respondeu o velho com firmeza e, neste momento, seu coração se encheu de alegria.
- Pois bem! - disse o anjo. - Assim será o instrumento que deverás construir: será feito de madeira, com cordas esticadas sobre um eixo, que dividirá o instrumento em duas partes iguais; deverá soar mais baixo que a voz humana, porque esta é o instrumento perfeito criado por Deus; ser leve e fácil de carregar; não será nem muito grande, nem muito pequeno, mas sua medida se adaptará ao corpo do homem; terá a forma do infinito e um buraco sobre o tampo, para que possa bem soar; e o buraco será perfeito e circular; e aquele que olhar para dentro do círculo encontrará mistério e escuridão. Desperte agora para que não esqueças do que foi dito. Ainda mais uma vez eu voltarei.
Assim, desapareceu o anjo e o velho acordou. Anotou em um papel tudo o que pôde lembrar e, como ainda era noite, voltou a dormir, intrigado e aflito com a forma do infinito e o mistério a ser contemplado.
No dia seguinte, o velho procurou, mais uma vez, o sábio e perguntou-lhe sobre a forma do infinito. O sábio, também intrigado com a pergunta, refletiu sobre a imensidão da Terra, dos astros e, por fim, de Deus. Depois voltou-se para as coisas pequenas: o homem, o burro, o cachorro, o rato, o grilo, a formiga, o grão de areia e imaginou ainda coisas menores, as quais não sabia nomear. Então perguntou ao velho:
- Apenas isso te disse o anjo?
- Sim – respondeu o velho.
Então, o sábio, que até agora só olhara para fora, calou-se e fechou os olhos, procurando algo dentro de si mesmo que lhe mostrasse o infinito, até que ficou confuso se o encontraria no vazio ou em todas as coisas. Disse tudo isso ao velho e concluiu:
- Como vês, há também limites em minha sabedoria.
Nesse dia, o artesão voltou para casa angustiado, temendo a chegada da noite. Mas ela chegou. Então, teve medo de adormecer e ficou, por horas, contemplando o infinito céu noturno, até que a fadiga o derrotou e ele, finalmente, dormiu.
Mais uma vez veio o anjo e disse:
- Não se assuste com a tarefa, bem serás capaz de realizá-la. Nunca se esqueça do eixo central e da simetria do instrumento. Pois continuo com as instruções: três será o número regente, para que não esqueças da Santíssima Trindade, da Sagrada Família, dos três reinos que as almas habitam; e, não esqueças, também, de que três foram os crucificados e não havia só perfeição entre eles. Três e três se encontrarão sobre o eixo e três cordas haverão de cada lado. O braço será longo, com quatro vezes três casas ao fácil alcance dos dedos, e outras tantas a penetrar o infinito. Três oitavas alcançarão essas casas, antes de adentrarem o infinito e em simetria serão colocadas as cravelhas, três e três. Em três semanas construirás o instrumento, guardando todas as suas medidas e gabaritos; e, três dias depois de pronto, se tiveres sucesso, um enviado de Deus virá buscá-lo, para quem darás o instrumento de presente.
O anjo desapareceu e o velho despertou, anotou tudo o que pôde lembrar e começou a desenhar, sobre o papel, como deveria ser o instrumento, até que, vencido pelo cansaço do trabalho e da idade, adormeceu sobre a mesa.
No outro dia, só despertou quando ouviu batidas ansiosas na porta de sua casa. Era o sábio, com seu jeito típico, alegre e bonachão. Trazia uma folha de papel com um desenho e disse:
- Procurei em livros antigos algo que pudesse me dar uma ideia sobre o infinito e acabei encontrando esse sinal.
O velho, então, correu os olhos sobre uma fina linha que corria, dava uma volta e cruzava consigo mesma, voltando ao princípio, como um laço sem início, nem fim. Surpreendeu-se, mais uma vez, ao comparar o desenho trazido pelo sábio com os rascunhos que fizera durante a noite, pois havia semelhança. Daí teve certeza de como seria o instrumento.
Conforme disse o anjo, três semanas o velho gastou na construção e, depois de três dias, apareceu em sua oficina um jovem dizendo que procurava uma nova forma de alegrar a Deus, aos homens e a todas as criaturas. Assim, entregou-lhe o velho o instrumento perfeito, que o anjo lhe mandara fazer. E o velho disse:
- Meu jovem, com esse instrumento, não irás somente alegrar a Deus e suas criaturas, mas poderá, também, contemplar seus mistérios e sua infinitude.
O jovem tomou o instrumento, bastante surpreso por recebê-lo de presente, e saiu pelo mundo encantando a todos com seu talento e a maravilha que trazia em mãos.
Por todo lugar onde passou, os mais engenhosos construtores de instrumentos musicais copiaram as formas perfeitas e misteriosas daquela obra de arte, de modo que, embora muitas dessas cópias não fossem tão belas, nem soassem tão bem, o instrumento perfeito acabou se tornando bastante popular.
O velho que pela primeira vez o construíra não enriqueceu e seu nome não é mais hoje lembrado. Porém, ele encontrou as mais profundas paz e alegria por sua vida e, depois, por toda a eternidade.