Post dedicado aos meus colegas de curso
Após um certo tempo de ausência, volto com um assunto, talvez, nada modesto, mas muito incômodo para mim.
Formei-me ano passado com os pomposos títulos de bacharel e licenciado em letras. Porém, na prática, o que isso quer dizer? Bom, a parte do licenciado é bem fácil de responder: posso ser professor. É claro que, nesse ponto, deve-se desprezar o fato de que minha formação pedagógica foi feita por pessoas que, embora tenham feito seus doutorados nos EUA, na Inglaterra e na França, jamais pisaram numa escola pública e trabalham apenas com ideais de aluno, organização administrativa e espaço físico, elaborando teorias fantasiosas de como é o jeito certo de dar aula.
Talvez seja por esse motivo que a classe dos professores anda tão por baixo, afinal, além desses professores velhos, mas inexperientes, eles devem lidar com toda uma camada de economistas, jornalistas e “etecéteras”, que sabem tudo, e absolutamente tudo, sobre educação! Para não falar dos pais que sempre consideram seus filhos uns anjinhos!
Entretanto, a pergunta que não quer calar é: o que faz o bacharel em letras?
Ao contrário da maioria das profissões respeitadas, o bacharel em letras carece de um nome que designe sua profissão, algo bem irônico para um curso que lida essencialmente com palavras. Note-se que as outras profissões têm a alegria de ter seu próprio nome! Por exemplo: quem faz medicina é médico; quem faz engenharia é engenheiro; quem faz jornalismo é jornalista; quem faz administração é um administrador; quem faz pedagogia é pedagogo; quem faz publicidade e propaganda é publicitário, quem faz direito é... ops! Se não passar na OAB fica no limbo dos profissionais desencaixados...
Mas, voltando ao assunto, poderíamos ter muitos nomes para designar nossa profissão, tais como letreiro, letrista, letrado, letrador, letrante, letrário... alguns até prefeririam o termo “literato”, que soa bem chique, dando um verniz cultural bastante raro àquele que o carrega. Esperto mesmo foi o pessoal da linguística que criou uma área própria e se chamou de linguista, apesar de que a maioria das pessoas acha que linguista é aquele que sabe muitas línguas.
Antes de continuar, devo explicar o porquê desse tópico. Depois da celeuma causada em torno da queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, simplesmente achei que seria mais do que justo refletir sobre o curso que fiz. Ainda mais pelo fato de que tanto nós quanto os jornalistas trabalhamos primariamente com o mesmo material: a palavra. Mas a grande diferença é o acesso ao discurso.
Exemplifico. Já imaginaram o quanto é desagradável ver aquilo que você tanto preza ser tratado com descaso, seja por maldade, preguiça ou pura ignorância? Pois é o que frequentemente acontece com a literatura. Nada mais triste do que ver o que se publica em jornais e revistas não especializados. Agora, por que não chamar alguém que estudou aquilo para falar sobre?
Durante os quatro bizarros anos de nossa existência universitária estudamos linguística, literatura, pelo menos uma língua estrangeira e um pouco de sua literatura, temos que correr um pouco atrás de história, para entender os movimentos literários etc. Apenas na seara da literatura, temos que lidar com três tipos básicos de texto: poesia, teatro e prosa. Na parte de língua portuguesa, além do tradicional gramatiquês que a gente deverá ensinar na escola, a semântica e a retórica se apresentam como matérias bastante interessantes.
Bom, acho realmente uma pena que não tenhamos disciplinas como um creative writing, por exemplo, ainda mais se considerarmos que boa parte dos ingressantes em letras gosta de escrever e arrisca até suas próprias narrativas e poemas... Estudamos muito o que os outros fizeram e somos incapazes de dar forma às nossas próprias criações, sendo cada vez mais chutados para o mal valorizado trabalho escolar.
Todavia, deve-se considerar que à essa formação bastante ampla, somam-se ainda os talentos (ou destalentos) individuais de cada um, como o interesse por música, cinema, artes plásticas e afins, campos que parecem de especial interesse da semiótica.
Então, por que não temos a nossa voz?
Ah! Não quero ser só um repositório de palavras ou de regras gramaticais... não me perguntem sobre o acordo ortográfico... também sei pensar! E leio muito mais entrelinhas que a maioria das pessoas.
Aviso aos que quiserem entrar no mundo das Letras: penetrem surdamente no reino das palavras, abram seus ouvidos, encantem-se, e saiam mudos.