A ideia sobre esse post surgiu de uma rápida leitura dos primeiros capítulos de O Discurso dos Sons: Caminhos para uma nova compreensão musical de Nikolaus Harnoncourt. Para quem não o conhece, Nikolaus Harnoncourt foi um dos grandes nomes envolvidos na interpretação autêntica de música antiga (antes de Beethoven), isto é, a execução das obras com instrumentos antigos, procurando se aproximar, o máximo possível, de como a música teria sido ouvida na época em que foi composta.
Mas Harnoncourt não pretende construir nenhuma “doutrina” da interpretação histórica e explica que essa ideia de música “antiga” foi algo que surgiu apenas após a Revolução Francesa. Antes desse período, conforme o autor explica, a música era vista como uma arte mais viva, intimamente relacionada ao cotidiano das pessoas. Não existia ainda a ideia de “interpretar grandes mestres do passado”. Essa música antiga era utilizada mais para fins de estudo e, se por acaso fosse levada a concerto, a composição era atualizada, assumindo, assim, o caráter de sua época.
Esses primeiros capítulos do livro de Harnoncourt são escritos em um certo tom de lamento pelo empobrecimento que a música (e as artes em geral) sofreram, em nome do conforto ou de novos brinquedinhos tecnológicos. Conforme o autor:
“Os valores que os homens dos séculos precedentes respeitavam não nos parecem, hoje, importantes. Eles consagravam todas suas forças, todos seus esforços e todo seu amor a construir templos e catedrais, ao invés de dedicarem-se à máquina e ao conforto. O homem de nossa época dá mais valor a um automóvel ou a um avião que a um violino, mais importância ao planejamento de um aparelho eletrônico que a uma sinfonia. Pagamos um preço bem alto por aquilo que nos parece o cômodo, o indispensável; sem nos darmos conta, rejeitamos a intensidade da vida em troca da sedução enganadora do conforto – e aquilo que verdadeiramente perdemos, jamais recuperaremos.”
Assim, a música deixou de ter um sentido profundo. Deixou de ser “a linguagem viva do indizível”, como diz o autor, para ser apenas ornamento para a vida comum. Ela perdeu a sua capacidade de transformação no ser humano – tanto o ouvinte como o músico. Ironicamente, isso se agravou ainda mais quando a música se tornou mais acessível, através de gravações, rádio etc. Hoje ouvimos música apenas para preencher o vazio provocado pelo silêncio; aquele vazio que nos traz uma solidão e que, quase inevitavelmente, pode levar a um confronto com o próprio eu.
A proposta de Harnoncourt, com seu retorno à música antiga e ao aprofundamento da interpretação histórica é uma tentativa de re-encontrar a música de nosso tempo, procurando uma forma de compreensão musical mais próxima da dos grandes mestres.
Em meio a isso tudo, surge-me uma figura muito interessante chamada Alex Masi. Seu CD, intitulado In the name of Bach, chegou às minhas mãos como um presente de aniversário (Obrigado, Leandro Ferro!) e nele estavam gravadas composições para teclado e violino do maior músico de todos tempos, arranjadas e interpretadas na guitarra elétrica (com direito a distorção e tudo, em algumas faixas). O resultado poderia parecer uma blasfêmia para alguns ouvintes mais conservadores, mas Masi, não deixou de, ao seu modo, reviver a música de J. S. Bach.
O mais interessante são as tentativas de catalogação empreendidas pelos sites de venda. É Bach, mas tocado na guitarra... até com distorção! Então vai para a prateleira de heavy metal.
Falando do CD, propriamente dito, considero o resultado bastante interessante e que certamente merece ser ouvido. Com o uso de diversos efeitos, sua guitarra assume sons que ora lembram o cravo ora o orgão, mas sem perder aquela característica maravilhosa do som de cordas dedilhadas. Na Sicilliano em Dó menor da Sonata para violino e cravo BWV 101, o guitarrista consegue um ótimo efeito, que resgata o som dos instrumentos originais para os quais a música foi composta acrescentando-lhe um toque de modernidade, no mínimo inesperado.
Confesso que também sou um grande admirador da reconstrução histórica das composições dos grandes mestres do passado. Porém, de forma alguma devemos deixar de prestigiar esse fabuloso guitarrista. Seu trabalho tem muito mais prós do que contras e sua técnica é impecável. Em minha modesta opinião, suas interpretações conseguiram, de fato, reviver uma grande música, criando uma ponte entre o século XVIII e o nosso.
Para quem não conhece Bach, está aí um ótimo jeito de começar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário