Muitas pessoas torcem o nariz ao ouvir falar da Legião Urbana; outras ainda demonstram entusiasmo, quando algum trecho de uma canção qualquer da banda lhe chega aos ouvidos. Mas ninguém fica indiferente ao grupo. Daqueles que torcem o nariz é comum escutar comentários do tipo: “ah, eles só tocavam três acordes”, “a Legião não canta nada com nada” ou “quando se ouve a Legião cantar alguma coisa realmente boa, pode crer que o Renato Russo roubou de alguém”, além do bastante clássico “Eles copiavam os Smiths!”.
Acho que a Legião foi a primeira banda da qual fui fã – sem contar os lendários Mamonas Assassinas, quando eu ainda era bem pequeno. Lembro-me de que meu irmão apareceu aqui em casa com uma fita cassete, que tinha uma gravação de Faroeste Caboclo, ao vivo. Nunca tinha ouvido nada parecido. Aquela música enorme, de pouco mais de nove minutos, cheia de variações, com uma letra de quatro páginas e uma história fascinante. Não demorou muito para eu aprender a letra todinha, como o fizeram muitos de minha geração.
Algum tempo depois meu irmão comprou o CD Que país é este. De início eu me contentava em ouvir apenas a Faroeste, ainda fascinado em meus 11 anos de idade. Aos poucos, fui arriscando ouvir a música seguinte (Angra dos Reis), depois a música anterior (Eu Sei). Aí parei de novo encantado. “Por que é mais forte quem sabe mentir?” Certo dia, ouvi o CD todo. Não me decepcionei. Assim eu começava a aprender a gostar de música. No ano seguinte comecei a ter aulas de violão.
Alguns até podem dizer: “Poxa, começou mal, hein!” Não concordo. E também não acho que a musicalidade da Legião Urbana seja tão pobre assim. Mesmo que o Renato Russo até brincasse, dizendo “Como compor 43 sucessos com apenas 3 acordes”, o fato é que em poucas bandas se pode notar uma evolução técnica como aconteceu com a Legião.
Em uma rápida retrospectiva: 1) Legião Urbana – o primeiro disco da banda, gravado em 1985, saiu com o fim da ditadura, o som ainda bastante crú, mas já com alguns sucessos como Será, Ainda é Cedo e Geração Coca-cola, além de outras músicas bem legais mas pouco conhecidas como A Dança e O Reggae; 2) Legião Urbana: Dois – clássicos como Tempo Perdido, Eduardo e Mônica e Índios, além da primeira música instrumental da banda, Central do Brasil. 3) Que País é Este: disco que reunia uma série de composições antigas, dentre elas a Faroeste Caboclo e Química, que, segundo a lenda foi uma das músicas responsáveis pelo rompimento do Aborto Elétrico; 4) As Quatro Estações – considerado por muitos como o melhor disco da banda, é o disco que contém Há Tempos, Pais e Filhos, Quando o sol bater na janela do seu quarto e Monte Castelo; 5) Legião Urbana: V – foi o disco menos vendido da banda, mas ainda assim, teve seus clássicos como Metal contra as nuvens e Teatro dos Vampiros, além da segunda música instrumental da banda, A ordem dos templários.
Chegamos, enfim, ao Descobrimento do Brasil. Um disco que vale a pena ser ouvido e só peca pelo fato de ser muito curto, tem cerca de 44 minutos. Aqui sim, realmente se pode notar como a Legião evoluiu com o passar dos anos, pois, se a harmonia ainda é simples, os arranjos se tornaram mais sofisticados. Cada música parece ter a sua sonoridade própria, sendo inovadora, ao mesmo tempo que carrega os traços mais característicos da banda. Nesse disco se tornam mais perceptíveis seus traços medievalistas, já bastante marcados na temática e nos arranjos do V, e é bastante interessante o uso da sítar da música Love in the afternoon.
Nesse disco, as letras falam, em sua maioria sobre o tema da despedida – mesmo que o álbum se chame “o descobrimento”. Pode parecer estranho, mas essa temática é tratada de várias formas: pode ser a despedida de um amigo que se foi; a despedida de um modo de vida; a despedida da infância; a despedida de coisas ruins... talvez seja a despedida como um novo começo, ou como um impulso que leva a tal. A faixa título insinua esse novo começo: uma relação que transita entre o amor e a amizade de um “rapaz direito” escolhido “pela menina mais bonita”.
Mas não pretendo dissecar algo que é tão especial para mim. Depois de um longo tempo mergulhado nos clássicos, barrocos e progressivos, ouvi novamente a Legião, e especialmente esse CD, e não fiquei decepcionado. Foi como abrir uma caixa escondida no fundo do armário e descobrir que ela está cheia de moedas de ouro.
Em 2009, faz 13 anos que o Renato Russo morreu e a Legião Urbana acabou. Na minha opinião, ainda não surgiu nenhuma outra banda que pudesse se equiparar em criatividade e qualidade. Em nenhum disco a banda repetiu “fórmulas consagradas” e, se se enquadrava no amplo campo do nosso variado rock nacional, manteve sempre algo de peculiar, algo que era só da Legião.
Sua qualidade não consistia no virtuosismo instrumental, nas milhares de notas tocadas em um segundo ou em harmonias complexas, elementos típicos do metal ou da MPB. A qualidade estava no equilíbrio entre uma boa letra e uma música adequada, que não competia para saltar ao primeiro plano, mas que também não era apenas um acessório para uma letra bem construída. Num equilíbrio especial entre esses dois elementos, algo bastante raro de se encontrar.
Creio que este tópico tenha ficado bastante pessoal.
Estou carente de heróis.
"Força Sempre"