Tenho que confessar: queria ser artista. Gosto do trabalho deles e penso que, no geral, devem ser pessoas bem legais e interessantes - pelo menos antes de terem seu ego inflado em demasia... Mas, artista não sou. Talvez por falta de talento, ou de disciplina. Provavelmente os dois! E há ainda a questão do dinheiro, porque, para ser artista, você tem que ter algum dinheirinho guardado; principalmente pelo fato de que, cedo ou tarde, você possa vir a passar fome.
Estive pensando nessa questão e cheguei a conclusão de que deve ter sido legal o tempo em que todo artista, descaradamente, trabalhava para ganhar dinheiro. Hoje, isso é pecado! Veja bem, um bom artista deve viver para a arte e não da arte, pois ela é uma coisa sublime, que não pode ser medida ou avaliada em coisas tão banais quanto dinheiro...
Voltando à questão, deve-se perguntar por que motivo um artista abandonaria o amparo do mecenato: em prol da liberdade artística e da melhoria da arte? Bobagem! Camões era um belo de um puxa saco e, nem por isso, escreveu porcaria. O que diríamos ainda das obras de Rafael, Michelangelo e J. S. Bach que trabalharam para a igreja? E não vamos falar que a moda não pegou no Brasil, hein! D. Pedro II: bolso aberto para a arte!
Bom, mas os tempos são outros. O verdadeiro artista não deve estar pegado a instituições, principalmente (que Deus os livre!), à igrejaS. Além disso, para não cometer o erro de ficar famoso, deve dedicar sua obra para meia dúzia de "iniciados", na maior parte jornalistas e pessoas ligadas à universidade, que fingirão entender e gostar do que é exposto, escreverão resenhas e críticas, indicarão aos amigos e, um dia, chegará aquele figurão milionário que vai comprar a obra (caso seja possível) para depois leiloar e doar tudo para a caridade.
Espero que ninguém pense que estou falando mal dos artistas - ou de certo tipo de artista. Longe de mim! Como disse, eu bem queria ser um deles... Mas é tão difícil!
Se você quiser ser músico, por exemplo, deverá fazer aulas durante alguns anos, em um bom conservatório ou com um bom professor. Depois, você vai querer entrar em uma faculdade e logo, logo, vão olhar para o seu instrumento. Aí vem a bomba. Vai comprar um bom instrumento. Então percebe-se que não dá para virar músico sem desembolsar no mínimo uns trinta mil reais.
Ah, mas vamos para pintura e demais artes plásticas. Você pode ser bem criativo e modernoso fazendo arte com coisas que encontra na rua (leia-se sucata). Mas um dia vai chegar o momento quem que será necessário pintar um quadro, esculpir mármore, ou aço, ou bronze... então, corre atrás de um mestre que lhe ensine as técnicas; compra material; pensa, faz, sua, se machuca, termina e...
Talvez, o melhor negócio esteja nas artes cênicas. Vai lá, faz umas aulinhas de teatro... O que você precisa é, basicamente, seu corpo, agente, figurinista, diretor, outros atores, um teatro, ou uma emissora de TV, ou um diretor de cinema (se você for bastante versátil para transitar pelas três áreas!), contatos, patrocinadores e, se possível, seja bonito! É o mais importante de tudo!
Chegamos, por fim, à literatura. Pode-se dizer que para ingressar nesse mundo o único requisito básico é saber falar. Todavia, o mundo da literatura oral não tem lá muito prestígio; é mais como uma curiosidade para antropólogos e criaturas afins, embora possua um caráter formador de identidade muito importante para todos os povos. Mas o legal mesmo é escrever livros: vê-los impressos em letra de forma, por uma grande editora; vender milhões de cópias; e, como reconhecimento supremo, ver uns coitadinhos se batendo uns contra os outros na tentativa de tentar entender, explicar, super-valorizar aquilo que você escreveu! No entanto, nunca menospreze esses coitadinhos, eles são os melhores amigos e os piores inimigos que alguém poderia ter.
De início, diria-se que não é necessário nenhum apetrecho caro para começar a escrever. Um bom caderno e uma caneta já dariam conta do recado!
É, mas nem tudo é tão simples... lembram-se daqueles coitadinhos? Eles ralaram muito para se tornarem coitadinhos e, então, não vão deixar que você entre assim tão facilmente em seu reino encantado. Pode tratar de revirar as gramáticas de cima abaixo; ler todos os clássicos, de preferência no idioma original; perder o sotaque interiorano (paulistanês e carioquês são mais bem quistos); reforme o guarda roupa; participe de eventos sociais; aprenda a elogiar o trabalho dos outros (críticas, resenhas, poemas, contos, romances etc.); intere-se das vanguardas e das últimas tendências da arte inventadas na década de 1960; enfim, faça de sua pessoa um personagem. Aí, depois que gastar um bom dinheiro para se entrosar com o meio artístico e da crítica, virão sugerir-lhe que publique um livro, afinal, você é tão inteligente!
Pena que essa pompa toda não serviu para valorizar a arte! Tornou-se apenas hobby ou atividade para crianças no jardim da infância ("Olha que rabisco bonito" - disse a tia).
Triste.